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Tudo seria hilário se não fosse perturbador

Um desabafo sobre apenas algumas das já banalidades que nos ocupam os dias

por Sarin, em 01.02.20

lao tse.jpg

Estive uns dias ausente - umas férias da rede. Nem sempre consegui ouvir as notícias na rádio, e se não li jornais por receber vários "desculpe, só recebemos 4 (ou 2!) e já os vendemos", da televisão já desisti há muito. Portanto, atravessei Janeiro quase sem aprofundar o que se passava por aí. E o pouco que fui ouvindo deixou-me mais e mais cansada deste tempo que vivemos. Quero a espuma de volta, sim, por favor, a espuma - nesta nada engana, tudo é fátuo.

 

Ao contrário de Ventura, que é fátuo mas consistentemente enganador. E abominável. Abomino a falta de convicções que exibe, adequando-as ao caminho que mais depressa o eleger qualquer-coisa - Doutor ou Deputado, Comentador Televisivo ou Presidente da Nação (já que de Clube não). E perante tal perspectiva voto em Cristina, que de espuma só terá a dos perdigotos que a atacam. Porque Cristina debate maioritariamente temas que não me interessam e usa uns tons de voz e de familiaridade que não me colhem simpatias - mas se é mulher para publicamente chamar porca a uma colega que aprecia, também será para convidar a sair do seu espaço alguém que aja contra os seus princípios. Frontalidades que Ventura não consegue. Não ter princípios será uma das causas, suponho - e apresentar desculpas esfiapadas, uma das consequências. Já propor a devolução de uma cidadã e deputada nacional com dupla nacionalidade ao seu país de origem apenas lhe expõe mais um pouco da imbecilidade e da preocupação em navegar o populismo dos descontentes. Um imbecil com diploma e cobertura da Cofina, eis o palhaço das mil caras! E se me acusarem de atentado ao seu bom nome, alegarei em minha defesa escrever com recurso à ironia. Ventura disse-o, e alguma vez me haveria de ser útil o que diz o cidadão.

 

Ou ao contrário de Joacine que, não sendo fátua, é enganadora e foi lançada por engano. E que lançou um debate que apenas não é interessante para quem se engana supondo-a tonta. Ou para quem defende museus outros numa história que sublimam, sub-limando. Gagos das ideias serão, e mais do que Joacine a falar, a quem confesso não conseguir ouvir - falha minha, que gosto de ler Maria João Seixas e sou incapaz de acompanhar um seu programa. Porque há diferença entre exibir ofertas e exibir saques, e achar ridículo tal debate é não perceber a diferença entre análise e revisionismo, independentemente de concordâncias e discordâncias. Pergunto-me o que sentiria um português ao ler num museu francês ou inglês "Espada do Rei D. Pedro I de Portugal, trazida aquando das Invasões Napoleónicas" ou "Arte Portuguesa dos séc. XVIII e XIX", num mesmo expositor lenços de Viana e aventais da Nazaré, galos de Barcelos e O Velho, do Bordallo original. Enfim, suponho que dependerá de o português em causa pensar Portugal diverso ou pensar o Portugal que lhe meteram pelos ouvidos e a quem basta conhecer o de Bissaya.

 

Gagos das ideias também os que defendem o Estado de Direito e incensam Rui Pinto, confundindo as (alegadamente suas) revelações com um exercício de cidadania. Além de ser pública a solidariedade entre piratas (sim, honra entre ladrões ainda existe!), também é pública a muito mais transparente disponibilização dos dados promovida por Assange e Snowden, alguns, também eles, obtidos por meios ilegais - em tudo distinta dos malabarismos feitos por Rui Pinto. Ou a forma como qualquer um deles assumiu a responsabilidade pelos seus, e até de outros, actos - ao contrário deste novo santo popular. Já aos que defendem Rui Pinto por mera vontade contra o Benfica, e são tantos!, apenas posso classificar de anedotas: o cidadão está a braços com processos por causa da Doyen, do SCP e de uma série de advogados e magistrados, e ainda nem sequer assumiu, ou lhe foi atribuída, a responsabilidade pelo assalto aos computadores do SLB. Mas à turbamulta não interessam factos, apenas algumas consequências - apenas algumas.

E são isto homens?, pergunto eu usurpando o título de Primo Levi sobre a vida em Auschwitz.

 

Que foi libertado há 75 anos. E nos deu uma pálida ideia da crueldade do Homem que se supõe civilizado. Desde então, parece que nos habituámos a com ela conviver. Talvez que seja como nos filmes de terror série B, onde só o primeiro eventualmente surpreende e aos outros vemos pelas pipocas ou pelos comentários ou, quiçá, pela oportunidade de nos agarrarmos ao mafarrico do lado, fingindo um medo que não sentimos - no caso, desfiando mágoas que não temos em palavras alinhadas e repassadas com esmero para leitor ver e aplaudir.

 

Basta ver a alegria de muitos britânicos que, felizes com a suposta permissão para expulsar os não britânicos e reganhar os postos de trabalho que supõem para eles ter perdido, ainda não perceberam que continuarão a ter os mesmos imigrantes, ou talvez mais - o Migration Advisory Committee do Reino Unido já alertou para a possibilidade de perderem profissionais e perigarem alguns serviços. Mas a crueldade com que se olha o outro é assim, simples nas suas alegrias imediatas, inconsequente nos seus desejos. Haverá países europeus onde a alegria vai mais longe, bem sei - e a Hungria e a Polónia vivem os seus próprios exit com ambos os pés dentro da União que cada vez é mais Comunidade Económica.

Já nem falo de Trump a abençoar o Estado da Palestina com capital na Jerusalém que quer indivisível. Uma Palestina com território drasticamente reduzido, uma Palestina que não foi ouvida nem achada nos supostos planos de paz, uma Palestina que vai ficar sem água, Netanyahu promete, Netanyahu faz.

 

Sim, sinto o tempo a andar para trás e não é por causa da chicana do Chicão. Mais precisamente, sinto que o tempo avança mas nós retrocedemos, e não o digo figuradamente, como quem lê involução: vejo-nos repisarmos a História em passo acelerado. Erguem-se muros que antes se derrubaram, e os Wind of Change são afinal temporais. Se primeiro levaram só os comunistas, Niemöller dixit, agora todos comem criancinhas. Recomeçamos pelo fim.

 

E este leve sopro é só o princípio do meu desabafo.

 

Nota: a frase de Lao Tsé  não ilustra o postal gratuitamente. Pede comentário, e ei-lo:

É fácil apagar as pegadas que se desejavam indeléveis na memória. Basta pisar o chão com força e refazê-las mais largas e mais profundas do que antes.

[Cuidemos de todos cuidando de nós: Etiqueta respiratória. Higiene. Distância física. Calma. Senso. Civismo.]
[há dias de muita inspiração. outros que não. nada como espreitar também os postais anteriores]

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lançado às 01:50

Onde ideias-desabafos podem nascer e morrer. Ou apenas ganhar bolor.


Obrigada por estar aqui.



31 comentários

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De Paulo a 03.02.2020 às 23:49

Concordo contigo. Infelizmente. 
Já pensava como tu, mas após os esforços envidados junto a estes meios, por forma a tentar justiça, face ao indeferimento do meu pedido de mobilidade por doença, para cuidar da minha mãe, consegui ver um lado ainda mais negro. Sim, antes os blogues. Opiniões e intervenções sinceras, reflexo da alma de cada um, sem ligação a máquinas partidárias. Recordo a resposta que recebi de um jornal (pelo menos deste dignaram-se a responder): "O seu problema será abordado caso interesse à linha editorial". De partidos políticos, consegui 2 convites para escrever sobre educação, uma à esquerda e outro à direita. Num só podia escrever aquilo que fosse ao encontro dos ideais defendidos. Remuneração 0 ... e sem um "tacho". Também quero! Ignorei-os. Embora, num deles, ainda em formação, talvez venha a escrever. Tenho liberdade. 


Relativamente às redes sociais, o Twitter foi uma surpresa. Não é para fazer amigos (parece-me), mas aborda aspetos interessantes. O Facebook serve para dar os parabéns aos alunos do passado-presente e alguns colegas. Infelizmente, só no ano letivo transato aprendi que "colegas não são amigos". Sei que é comum no mundo empresarial, mas nas Escolas não o deveria ser.
Bejos

[a palavra a quem a quer]




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e uma viagem diferente



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