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desafio de escrita dos pássaros #17

por Sarin, em 10.01.20

[Tema #17: Luz e sombra]

Diet Wiegman.jpg

O reverso

Dói-me o verbo. O dia luz claro de chuva preguiçando nos beirados e o relógio alimenta as sombras que devoram as horas com ritmo de poesia ferida. Nem uma luminosa ideia que se espraie no sombrio ocaso da tela nua, nem sombra de palavra que exsude cor no negro teclado que miro.

Não percebo. Costumam sair como que dançando, puxando-se... empurrando-se, até! penso alto, sem me aperceber da tua atenção. A luz do teu riso ofusca o monitor, Cansaço, chama-se cansaço, dizes sorrindo, os teus olhos escurecendo em contraponto. Nunca gostaste de escrever por encomenda, as sombras a surgirem na tua voz, são já muitas semanas a voar... soam densas, essas sombras - tão densas como a fria razão. Sim, está na hora de pousar, compreendo, e nesta assombrosa certeza nasce-me luz no verso obscurecido. 

Porque o voo iluminou as minhas velas desfraldadas, mas o tempo foi-me lastro preso e de cada cor arranquei sombras. As mesmas sombras onde nasce já o brilho de outros verbos.

 

Sombras são luz que fenece.

Sombras são luz emergindo.

A luz é também as suas sombras

- Hiroxima, meu amor, Hiroxima.

E apenas o nada é definitivo.

 

Nota e roda sem pé: o AO90 não faz luz nem lança sombra, antes assombra a Língua Portuguesa.

imagem: Diet Wiegman

Vídeo: Shadows

do álbum Lindsey Stirling (2012)

Música e Dança: Lindsey Stirling

 

 

 

 

[Desafio de Escrita by Pássaros]

 

Este é o último texto deste Desafio de Escrita dos Pássaros.

O meu voo tem aqui o seu fim. Agradeço a quem me acompanhou, voando a meu lado ou acenando a cada bater de asas. Pouso agora nas águas e sigo navegando, desejando bons voos a quem continua e relembrando que os Pássaros aguardam inscrições - o bando prossegue viagem a 31 de Janeiro.

Que a inspiração nos eleve e a escrita nos acompanhe nas rotas que escolhermos.

 

[Cuidemos de todos cuidando de nós: Etiqueta respiratória. Higiene. Distância física. Calma. Senso. Civismo.]
[há dias de muita inspiração. outros que não. nada como espreitar também os postais anteriores]

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lançado às 15:00

desafio de escrita dos pássaros #16

texto segundo

por Sarin, em 06.01.20

[Tema #16: Sobre a vida adulta: Ainda não entendi o que é para fazer ] 

 

Adultecer, ou os fios de Ariadne

Ferir a alma na colheita da maçã,

trincar os lábios ao morder a vida,

com o caroço ter a garganta em ferida

e seguir colhendo até perder o amanhã.

 

Dos ventos saber de cor o Norte

e da má sorte ter um rumo por guarida,

saltando as sebes e caindo no musgo.

Ou nas rosas, dos ventos fugida.

 

E com os espinhos em mim cravados

e fios de sonhos desenovelados

tecerei pétalas até me anoitecer

no jardim-labirinto de adultecer.

 

Nota de rodapé: o AO90 é adulto. Mas não maduro, apenas podre.

Canção: Como nossos pais (1976)

Interpretação: Elis Regina

Música e Letra: Belchior

 

 

 

 

[Desafio de Escrita by Pássaros]

 

Os Pássaros lançaram-se num segundo desafio de escrita, a iniciar dia 31 de Janeiro.

Para com eles voar, há que inscrever as asas como pipiado aqui no ninho.

[Cuidemos de todos cuidando de nós: Etiqueta respiratória. Higiene. Distância física. Calma. Senso. Civismo.]
[há dias de muita inspiração. outros que não. nada como espreitar também os postais anteriores]

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lançado às 08:00

desafio de escrita dos pássaros #16

texto primeiro

por Sarin, em 04.01.20

[Tema #16: Sobre a vida adulta: Ainda não entendi o que é para fazer ] 

Adultecer

O tema desta semana, sei-o já, é a vida adulta. Os Pássaros acrescentaram-lhe um "ainda não entendi o que é para fazer". Desnecessariamente: se alguém entender o que é para fazer, provavelmente terá esquecido que fazer pela vida não é o mesmo que viver, olvidará talvez que fazer e ser são verbos distintos - e não por acaso.

Se não nascemos com destino determinado, como creio, então apenas poderemos ter nascido para ser o que a vontade e as consequências, nossas e terceiras, nos possibilitarem. E nascer para ser não é fácil, há que aprender todos os dias pois todos os dias nascem  possibilidades. Possibilidades boas, possibilidades más, impossibilidades... e as escolhas são consequência de outras aprendizagens, em continuidade porque a vida não se interrompe vivendo. E, por mais abruptos que sejam os ressaltos, por mais longe que possamos aterrar, partimos sempre do ponto em que estávamos: quem somos.

Não somos adultos por opção. Não somos adultos por decreto.

Adultecemos.

 

Um dia, não há muito, perguntaram-me quais as minhas maiores realizações pessoais. Sorri e pensei que nada estava realizado, encerrado. Porque a vida pode ser feita de muitos capítulos, mas nenhum inconsequente. Então, como considerar realização o que em permanente construção, destruição, reconstrução, desconstrução e, de novo, construção?

"Ter um filho, escrever um livro, plantar uma árvore". Metaforicamente, tudo fiz antes de a lei me dizer adulta. Metaforicamente, ainda tudo faço. E faço-o por ser, e por ser vou aprendendo a fazer em cada tempo. Porque adultecer é tarefa para muitas vidas - a nossa e a dos outros.

 

Prometi dois postais sobre o tema para as 15 horas de hoje. Este será o primeiro sobre o tema e será o único a ser lançado a essa hora. Porque a inspiração não obedece a ordens. Nem a desordens.

Ontem adulteci de forma diferente. Chegada de ausência prolongada, descubro que me assaltaram a casa, violaram a minha privacidade, conspurcaram o meu castelo. Lidar com as perdas não é fácil, desinfectar a casa também não - a lixívia destrói-me o verbo.

Paradoxalmente, ao promoverem brechas num bastião revelaram-me a existência de outro, que desconhecia. Definitivamente, adultecer não traz manual de instruções.

 

Nota de rodapé: o AO90 tem 30 anos. Como é possível um acordo ortográfico chegar a esta idade sendo um nado-morto gramatical?

 

[Desafio de Escrita by Pássaros]

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lançado às 15:00

desafio de escrita dos pássaros #16 só que não

Pré-texto. Pretexto. Isso.

por Sarin, em 03.01.20

[Tema #16: _____________________ ]    

images.jpg

Desarrumações de Natal

No Natal há quem faça decorações e há quem faça arrumações. Segui a moda. Decorei o que importava e arrumei o computador. Não o coloquei de lado, nada disso: reorganizei-o. E tão mas tão bem o reorganizei que, há pouco, quando me sentei para escrever, descobri que não sei do email dos Pássaros com o tema desta semana. Poderia alegar que o teria dado ao Pai Natal, por engano - mas o Pai Natal nesta família é uma e só uma, e apenas não serve de alibi a esta que vos escreve.

Poderia solicitar que me reencaminhassem um novo email, mas é hora de almoço - e, francamente, não são horas para incomodar ninguém!

Enfim, começo bem o ano... 

Sei que não é coisa de adulto responsável. Como penitência, amanhã às 15 horas publicarei dois postais subordinados ao tema desta semana. Seja ele qual for...

Nota de rodapé: e nenhum dos dois postais respeitará o AO90, que nisto de respeito é preciso merecê-lo!.

 

[Desafio de Escrita by Pássaros]

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lançado às 15:00

desafio de escrita dos pássaros #15

por Sarin, em 20.12.19

[Tema #15: O Pai Natal decidiu reformar-se e as entrevistas começam esta semana. Descreve uma dessas entrevistas na perspectiva do recrutador de recursos humanos: A Rena Rudolfo]

Declaração

Declino a incumbência de escolher novo funcionário para o lugar vacante de Pai Natal, e invoco por razões:

- O antigo funcionário ter tanto tempo de serviço quanto eu. Com direito a reforma integral e eu, a um acréscimo de trabalho. Não percebo a discrepança;

- Além desta, enorme, nenhum outro problema de saúde afligia tal funcionário, enquanto eu enfrento o rigoroso Inverno da taiga sofrendo de rinofima - e nem me deixam dormir em casa, alegando que ressono;

- Pretendem que recrute um funcionário com competências difíceis de avaliar. Quem para admissão não precisará de habilidades manuais para fazer brinquedos pois todos feitos na China, nem necessitará de artes de cozinheiro pois que aos elfos, desempregados, alimenta-os a Segurança Social. Também não tratará da neve do jardim, o Polo Norte derretendo-se pouco fica... e, claro, dispensa sentido de orientação, trocado por uma aplicação. Mas repugna-me seleccionar com base nos critérios “Deve ser gordo e ter barba branca. Tem de saber fazer Ho Ho Ho.”

Este conjunto de situações, intolerável, dificulta a minha permanência no cargo, e assim apresento demissão.

Não peço deferimento pois ferido já estou. Só me amansam com Boas Festas.

 

A rena Rudolfo é uma criação do norte-americano Robert L. May

... a música escolhida não poderia ser portuguesa...

Música: Santa Claus is comin' to town

Bruce Springsteen (1978)

Letra e Música  J. Fred Coots e Haven Gillespie 

 

 

 

 

 

 

Nota de rodapé: é hora de o AO90 acompanhar o Pai Natal. Na reforma, que para circo já basta.

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desafio de escrita dos pássaros #14

O único e verdadeiro. Agora sim!

por Sarin, em 14.12.19

[Tema #14: Não nasci para isto]

nazaré.jpg

A vida faz-se

A primeira memória que tenho é a do corpo em dor, excruciante. Senti a pele repuxada, os músculos truncados, os membros doendo a cada bater do meu fraco coração. Com o tempo a dor foi diminuindo, ou talvez que me tenha habituado... mas um dia deixou de doer. Penso que foi quando percebi que me amavam. Ou talvez tenha sido da água, sei agora que a hidroterapia é benfazeja; mas não o sabia então, e limitei-me a usufruir os momentos que me foram oferecidos. A música era indistinta, mas era música. Entranhou-se-me na alma, o corpo movendo-se suavemente no embalo, música e dança elevando-me acima de qualquer memória. Beethoven e Mozart, claro, como não?

O tempo passou, a memória esmaecida e a dor olvidada, e comecei a sentir quem me rodeava, intentei reagir às tentativas de comunicação - eu, que até ali me mantivera inconsciente dos outros, buscava agora o seu contacto.

Um dia atrevi-me a sair pelo meu pé, sem auxílio. Atirei-me de cabeça, ignorando a reprimenda de quem dizia ser cedo. Estava cansada, a escuridão nada mais tinha para mim - ansiava a luz, mesmo que apenas ao fundo do túnel. Não importava se estava bem ou estava mal, não havia sido feita para ficar parada. E assim me lancei de corpo inteiro. Mas o mundo, inclemente, acolheu-me com violência.

Caramba! Sete meses e meio num útero e recebem-me com uma palmada?! Não! Não nasci para isto! Vou em busca de outras memórias! Onde os braços de quem me embalou?!

 

Nota da autora: Depois do Aviso, o parto. Não foi a ferros, mas quase... o do texto. O meu foi rápido, diz quem sabe.

Nota à roda: o AO90 não nasceu para isto. Nem para nada.

imagem recolhida no West Side

Vídeo: Fala do Homem Nascido

Adriano Correia de Oliveira (1970)

Letra de António Gedeão, Música de José Niza

 

 

 

 

 

[Desafio de Escrita by Pássaros]

 

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lançado às 15:00

Informam-se os interessados que:

* A médica não nasceu para isto

* a parturiente não nasceu para isto

* a doula não nasceu para isto

... e a criança não pode nascer no prazo previsto.

Perante tantos istos, adie-se o parto para amanhã. À mesma hora, pois que a ferros sairá!

[Cuidemos de todos cuidando de nós: Etiqueta respiratória. Higiene. Distância física. Calma. Senso. Civismo.]
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lançado às 15:00

Onde ideias-desabafos podem nascer e morrer. Ou apenas ganhar bolor.


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