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Cheia teve a amabilidade de partilhar nos comentários um poema sobre Catarina Eufémia. De sua autoria, homenageia esta mulher morta pela brutalidade policial da ditadura.
Transcrevo o poema deixado no primeiro comentário. O poema merece. Obrigada, José Silva Costa!
Catarina Eufémia
O Mundo chorou
A tua brutal morte
Para espantares a fome
Arriscaste a sorte
Num tempo em que não se podia falar
Quanto mais reclamar!
Querias pão para os filhos sustentar
Como suportar
Ver os filhos de fome definhar?
O Alentejo não esquecerá
O triste dia, em que quem pedia, morria
A bruta força, não sabia, dialogar!
Queria, a todo o custo, a revolta, acabar
Cegos de ódio
Nem o facto de levares um filho ao colo e outro no ventre
Lhes fez, o coração, amolecer
Não! Nunca poderemos esquecer
O teu exemplo
Mulher, mãe, que apenas, trabalho, pedia
Porque não suportava a gritaria, que a fome fazia
Numa planície escaldante
Sem água, sem pão, sem fonte
Não foi em vão que deste o teu sangue, pelo Monte
Queriam calar-te!
Mas todos os dias, todos os anos, todos os séculos te vamos recordar
Nunca deixaremos de gritar: trabalho, pão, paz, para os filhos criar.
Soube agora.
Não posso dizer que tenha sido uma surpresa. Mas foi inesperado.
Porque quase acreditei ser-lhe a força inesgotável, tanta era a vontade de escrever, de ler... de estar. De estar também aqui, neste aqui onde com ela convivi, neste aqui onde somos o que escrevemos. E ela estava, era, vibrava em cada frase que nos dava. E ria.
"Se a vida te der limões faz uma limonada". Acredito que tenha sido exactamente o que fez! E partilhou connosco um pouco dessa saborosa limonada que arrancou à vida que se lhe arrancava.
Terei saudades do Mr. Green.
Terei saudades da Marta.
Sahar Khodayari imolou-se. Por não poder entrar num estádio de futebol, dizem. Mas não, Sahar escolheu morrer pelas chamas a aceitar ser encarcerada por um crime injusto: o crime de ser mulher no Irão.
Iria sofrer seis meses de prisão. Mas já havia sofrido outros tantos, a somar a sei lá quantos tantos sofrimentos pelo crime de desejar mais do que lhe permitia a lei dos ayatollahs, que não a Sharia. E não foi pelo futebol que se imolou. Foi por ser mulher.
Qual o limite que sentiu cruzado, para preferir a eternidade a seis meses? Quem o sabe não contará, deixando à imaginação os seus meses de cativeiro. Terá sido vencida pela força? Pelas ameaças? Pela humilhação? Talvez os seis meses tenham sido meros corolários de uma vida inteira de 30 anos. E o futebol apenas a face mais azul da vida em negras lutas.
Porque Sahar era uma adepta de futebol, a FIFA também se pronunciou. A mesma FIFA que colocou o Mundial de Futebol no Qatar, mas que por Sahar tentará levar o Irão a elidir uma das muitas leis não escritas mas inscritas na vida das iranianas. Inscritas na sua morte, também.
Talvez Sahar não tenha morrido em vão. Mas a morte é vazia, e todas as mortes são mais vazias quando assim.
E dos seus olhos vieram ventos que repassaram as frestas da gente e ali onde nos encontrou plantou as palavras que nos traduziram quem somos.
Frame do Documentário "Agustina Bessa-Luís - Nasci Adulta e Morrerei Criança" da produtora PANAVIDEO
(fonte da imagem aqui)
"Muito obrigada por esta honra, mas o único prémio no mundo capaz de restaurar a nossa dignidade continua a ser a justiça e a acusação dos criminosos".
A violência sofrida na primeira pessoa agradece assim o Nobel da Paz.
Porque a violência continua e continuam os crimes contra a humanidade, enquanto assistimos às cerimónias porque a humanidade sofrida é um grupo de indivíduos distante e sem nome sem rosto sem nada.
Nadia Murad mostra-nos um desses rostos. Nadia Murad é um desses rostos. Tem no corpo e na alma o dever de nos mandar para o inferno pela indiferença com que deixámos acontecer o prémio que lhe aplaudimos... e ainda assim só nos pede a justiça que lhe falhámos entre tantas outras culpas.
Para ler. E reler até fazer sentido. Porque agora não faz.
(Fonte da imagem aqui)
Há discursos que magoam. E que são fundamentais. E que devem ser lidos e ouvidos e assumidos todos os dias até que, envergonhados, os esvaziemos de verdade.
A indiferença é, também, o problema.
Podem ouvir traduzido. Mas tentem o original - na primeira pessoa magoa mais.
Pensem no que podem fazer, no que fazem em cada dia para evitar um outro dia igual.
Mukwege indica um dos caminhos possíveis.
Mukwege indica o único caminho decente.
Family Snapshot, por Peter Gabriel
Álbum Peter Gabriel , também conhecido como 3 ou Melt (1980)
O Governador visado em Diário de um assassino, livro de Arthur Bremer que serviu de mote a este tema, é Arthur C. Wallace.
Mas Peter Gabriel pensou também em John Fitzgerald Kennedy quando o escreveu, recriando ambientes dos atentados de um e de outro.
Hoje, 22 de Novembro, recordo assim aquele 22 de Novembro de 1963 em Dallas, Texas.
O que se interrompeu, nunca saberemos - talvez menos do que o mundo dividido esperava, certamente mais do que alguns que o dividiam desejavam.
Apesar da conspiração que envolveu o assassínio de Kennedy, ainda não assumida mesmo com todo o descrédito que desde há 40 anos mancha o resultado da Comissão Warren, o assassino material de JFK e o assassino frustrado de Wallace tiveram motivações idênticas: Fama. Fama que lhes damos a cada repetição dos seus nomes.
Não mais. Lembremo-nos desta música sempre que a morbidez nos desviar o olhar ou a memória para os cadáveres provocados por tais abutres - abutres pois que a morte não lhes é um fim mas um meio. Antes de serem abutres foram pessoas, e tiveram direito a nome. Mas perderam-no, perdem-no, quando recordados por tais tristes feitos. Não os celebremos. Os assassinados têm nome. Os assassinos não.
JFK morreu assassinado há 55 anos.
[Verse 1]
The streets are lined with camera crews
Everywhere he goes is news
Today is different, today is not the same
Today I make the action, take snapshot into the light
Snapshot into the light, I'm shooting into the light
[Verse 2]
Four miles down the cavalcade moves on
Driving into the sun
If I worked it out right, they won't see me or the gun
Two miles to go, they're clearing the road
And the cheering has really begun
I've got my radio, I can hear what's going on
[Bridge 1]
I've been waiting for this
I've been waiting for this
All you people in TV land, I will wake up your empty shells
Peak-time viewing blown in a flash as I burn into your memory cells
'Cause I'm alive
[Verse 3]
They're coming around the corner with the bikers at the front
I'm wiping the sweat from my eyes
It's a matter of time, a matter of will
And the governor's car is not far behind, he's not the one I've got in mind
'Cause there he is, the man of the hour, standing in the limousine
[Bridge 2]
I don't really hate you, I don't care what you do
We were made for each other, me and you
I want to be somebody, you were like that too
If you don't get given you learn to take
And I will take you
Holding my breath
Release the catch
And I let the bullet fly
[Outro]
All turned quiet, I have been here before
A lonely boy hiding behind the front door
Friends have all gone home
There's my toy gun on the floor
Come back, Mum and Dad
You're growing apart, you know that I'm growing up sad
I need some attention
I shoot into the light
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