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cabeçalho sobre foto de Erika Zolli
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"Uma boa forma poderia ser de obrigar a fazer o teste covid a todos os turistas que entram. Uma zaragatoa. Eu sei que é complicado, envolve procedimentos, enfim, que é um bocadinho, que são agressivos. Não sei se em termos legais se pode exigir isso, mas alguns países fazem isso, por exemplo a Nova Zelândia faz isso."
Indivíduo da foto, não identificado, em entrevista para a reportagem da SIC, Primeiro Jornal de hoje, a partir das 13h09min, sensivelmente.
Da irresponsabilidade da SIC: não identificar o entrevistado, permitindo que com tal legenda se veja nele o, ou um, representante da Ordem dos Médicos. Não me parece que seja o Bastonário da Ordem nem se assemelha ao Presidente da Ordem dos Médicos do Sul (sic) [com um enorme *], pelo que me pergunto de onde surgiu a informação que motivou tal legenda. Pergunto-me, porque os jornalistas não responderam.
Da irresponsabilidade do entrevistado: sendo alguém com alegadas responsabilidades médicas, propõe publicamente uma medida cuja legalidade desconhece e, até, questiona. Chama-se improviso, e medidas improvisadas são tão boa ideia como festas em dias de covid.
Não sei o que pensaram estar a fazer, jornalistas, legendador e entrevistado, mas o que fizeram resultou em desinformação.
Porque, se não for legal, o público reclamará da lei sem se preocupar em perceber a razão da sua existência, exigirá medidas como "nos alguns países [que] fazem isso", não interessando que esses países tenham ordenamentos jurídicos distintos.
Porque, se não for a posição da Ordem dos Médicos, a ideia terá passado como validada pelos técnicos e de nada adiantarão comunicados e desmentidos.
Adenda às 23h25min: o asterisco.
De passagem, vi qualquer coisa como "gripe hemofílica" no Jornal da Noite, na SIC.
Fiquei a matutar, pensei ter visto mal, fui às gravações: vi bem, estava escrito gripe hemofílica.
Conheço a Haemophilus influenzae, uma bactéria oportunista e antipática que durante décadas supuseram ser causa da gripe. Também conheço a febre hemorrágica, associada a alguns dos vírus mais letais que se têm cruzado com a humanidade nos últimos anos, como o de Marburg, o de Ébola e o da dengue. Mas da gripe hemofílica nunca ouvira antes falar. Já pesquisei na internet, revirei canhenhos e enciclopédias, mas nada, a minha busca tem sido inglória. Numa primeiríssima impressão, soou-me a tal gripe hemofílica a uma tradução feita por quem pouco ou nada saberia do assunto, uma tradução de uma notícia onde flutuaria a Haemophilus influenzae - mas como a minha relação com a gripe não me exige conhecer-lhe os nomes e as pesquisas foram infrutíferas, não o posso nem confirmar nem refutar.
Se alguém puder esclarecer, agradeço.
Estou curiosa, e talvez me acompanhem na curiosidade se vos disser, ou recordar, que a tal notícia, propalada em Julho na CNN e noutras cadeias noticiosas norte-americanas, se referia a 54 óbitos verificados em lares para idosos no Maryland, a poucos quilómetros de um bio-laboratório militar. Os pacientes terão tido estranhos sintomas, semelhantes aos da covid-19, e a causa da morte atribuída terá sido, segundo a SIC, a tal gripe hemofílica.
Parece teoria da conspiração, mas não é: a história foi recuperada porque o Control Disease Center (CDC) quer investigar muito bem todas as mortes por gripe, pneumonia e afins ocorridas desde essa data. Atitude alinhada com a posição assumida pela Organização Mundial de Saúde, pois vão surgindo fortes indícios de que o SARS-CoV-2 já se anda a passear pela Europa desde Outubro - e é possível que o périplo tenha começado mais cedo. Para que possamos enfrentar a esperada mas não desejada segunda vaga, a OMS apelou para que todos os países intensifiquem o apuramento do paciente zero.
Espero que os treinadores de bancada e outras alminhas que tais, perante estas e outras informações, ganhem um pouco de calma. Vergonha talvez já lhes seja tarde.
Imagem: notícias ao minuto
Não me apetece escrever.
Ressuscito um postal que morreu submerso pelos posteriores. Não, não o vou reescrever. Estou doente e não me apetece. Espreitem, se quiserem - basta clicar na imagem.
Boa sexta-feira, bom fim-de-semana.
Os cidadãos têm direito à informação.
O jornalismo tem de existir.
Os jornais precisam de financiamento.
Daqui resulta o óbvio: ou os cidadãos financiam directamente os jornais privados ou financiam-nos as empresas.
Claro que há o jornalismo financiado pelo Estado, embora lamentavelmente não seja difundido em papel. Defendo o jornalismo privado e o jornalismo financiado pelo Estado, mas blindado ao poder político - deste segundo tipo de jornalismo falei já noutros locais. E voltarei a falar. Agora quero centrar-me nos privados e numa carta aberta que por aí circula.
Pegar nas informações das agências noticiosas e colá-las nos jornais é coisa que qualquer indivíduo que saiba trabalhar com um rudimentar editor de texto consegue fazer. Mas isto não é jornalismo, é corta-e-colaísmo. Fazer jornalismo requer recursos vários, e jornalismo de fundo, o de investigação, demora tempo e pode custar muito dinheiro. E até o corta-e-colaísmo tem de remunerar o cortador-e-colador.
Portanto, os jornais privados têm de conseguir vender o seu produto de forma a pagarem aos seus trabalhadores, a suportarem os seus custos - em suma, a financiarem a sua actividade. Quando não vendem, ou se vendem a interesses comerciais ou fecham a porta. Depender de interesses comerciais passa por vender publicidade - o que deve levantar alguns conflitos de interesses na hora de publicar eventuais notícias sobre o grande cliente; ou por ser adquirido por grupos financeiros - que têm interesses comerciais vários e que, ao contrário do grande cliente, têm poder para substituir uma redacção inteira, mesmo que todos finjamos que não.
A independência de um jornal passa, forçosamente, por esse jornal se bastar a si próprio - isto é, vender a sua notícia. E todos sabemos o que é preciso para vender uma notícia: sexo, lágrimas e sangue. Sim, bem sei que, dito assim, parece uma agressão sexual. Não é sexual, mas é também agressão, porque a tendência é procurar o sexo, as lágrimas e o sangue para fazer a notícia.
Poderá haver outras fórmulas de um jornal se financiar e manter independente, mas a única que consigo encontrar é uma forma de cooperativismo: eu e mais uns milhares pagamos-te uma anuidade, jornal, e ajudamos-te a manteres-te, e tu dás-nos notícias confiáveis e não sujeitas a outro interesse que não o informativo.
Por tudo o que acima disse, estou solidária com os directores de jornais e revistas que, em carta aberta, se manifestam contra a pirataria das suas publicações - aquela coisa de receber e reencaminhar jornais em formato PDF.
Estou solidária e estarei porque...
... como eles, acredito que "é um atentado grave contra o trabalho dos jornalistas e contra a sustentabilidade das empresas de comunicação social".
... ao contrário deles, acredito que os actos de pirataria são um atentado contra qualquer empresa, contra qualquer cidadão e, em rigor, contra o Estado de Direito.
Os directores vêm pedir-nos que combatamos tal pirataria fazendo-nos assinantes.
Mas não assumem o compromisso de não participarem em actos de pirataria: não nos dizem que deixarão de divulgar matéria em segredo de Justiça; não nos dizem que, antes de publicarem reclamações enviadas para esta ou aquela entidade, investigarão se estas foram mesmo enviadas, se chegaram ao destinatário e qual a sua reacção; não nos dizem que deixarão de publicar matéria sensível sem investigar a sua origem e que, publicando-a, a encaminharão também para as autoridades caso haja suspeitas de ilícito na sua obtenção ou no seu conteúdo; não nos dizem, enfim, que traçam uma linha ética entre "fonte" e "vale qualquer coisa para vender".
E, ainda assim, estou com eles. Porque acredito que a pirataria é abominável, mesmo que com carta de corso, e não o acredito apenas quando me dá jeito.
Mas sobram-me questões sobre esta matéria da pirataria dos jornais.
Quando compro um jornal em papel, ninguém me pergunta se apenas eu o lerei nem me coloca restrições a que o empreste, dê, deixe no banco de jardim ou na mesa da esplanada para que outros leiam.
Então, porque não poderei fazer semelhante com o jornal digital que pago? Sejamos francos, o jornal em papel não se fotocopia para emprestar, apenas passa de mão em mão. Já um documento digital é copiado dezenas ou centenas de vezes e em cada uma pode ser guardado o tempo que se quiser. Claro que percebo a troca de jornais em grupos fechados, uma espécie de mesa de café em que cada indivíduo chega com um jornal e os jornais circulam entre todos. Mas e quando os jornais saem da mesa, vão para onde?Já agora, esta pergunta vale para jornais e vale para outros documentos que estão sujeitos a direitos de autor.
Cada um de nós é responsável pelo que adquire e pelo que recebe. Se não costumamos emprestar livros ou jornais que não são nossos, porque reencaminharemos massivamente jornais e livros que não comprámos e para cuja disponibilização não contribuímos?
A facilidade em reencaminhar terá alguma responsabilidade, mas a verdadeira razão será, talvez, o não estarmos habituados a ver o trabalho intelectual e o produto digital como bens transaccionáveis, cuja produção envolve pessoas reais e de cuja venda essas pessoas reais dependem. É bom que mudemos esta nossa abordagem. Por todos os motivos, e também por causa desta coisa da pirataria.
E, entretanto, que estão a fazer os jornais para evitar serem pirateados, além de apelarem a que não reencaminhemos jornais assim recebidos?
Ao entregarem um código para acesso online, como fazem, parte do acesso fica restringido. Mas posso perfeitamente partilhar o meu código com o meu agregado familiar. Ou com 30 amigos, não é?
Para se protegerem, os jornais podem vender assinaturas com mais do que um acesso simultâneo - e bloquear as tentativas de acesso que excedam o contratadoualizado, emitindo alerta ao titular, podendo até bloquear a conta se tais tentativas forem frequentes (tudo isto devidamente definido e não sujeito a alterações arbitrárias durante a vigência do contrato - que pode diferir da anuidade). Ou podem promover assinaturas com limite de acessos, por exemplo. São opções que não têm de ser exclusivas e que talvez lhes permita chegar a mais clientes online. Mas que certamente evitam a partilha indiscriminada.
Já os jornais em formato PDF podem perfeitamente ser enviados com uma senha de segurança, previamente atribuída pelo próprio jornal e associada ao contrato, e o PDF ter um código identificativo da conta daquele exemplar. O assinante que partilhar indiscriminadamente o seu jornal sabe que correrá o risco de que os seus receptores partilhem com terceiros - o que pode fazer com que uma cópia vá parar às mãos de alguém que a reencaminhe para o jornal e este responsabilize cível e criminalmente o assinante. Mais uma vez, todas as opções, restrições e consequências devem estar devidamente explicitadas no contrato.
Não estou a inventar nada de novo. Todas as sugestões são viáveis, andam por aí e são usadas por empresas várias. E sei que, por cada sistema de segurança que surge, surgem duas chaves para o descodificar. Mas os jornais atrasaram-se na adaptação ao digital. E continuam a ter muito que mudar para se voltarem a aproximar dos leitores.
Acredito firmemente que não podemos ser coniventes com a desintegração do frágil tecido jornalístico. Mas sei que os jornais também terão de se esforçar e fazer a sua parte.
imagem: The Free Pirate
Numa paragem forçada nas imediações de um aparelho de televisão, vi e ouvi algumas notícias.
Reportagem:
1º Não sei que entidade portuguesa (não reparei nem me interessou ir verificar) alegou que o uso das máscaras deveria ser aconselhado para toda a população.
2.º Afirmou taxativamente que a DGS desaconselhava o uso das máscaras por haver poucas.
3.º Informou que havia vantagens do uso das máscaras.
4.º Aparece uma imagem de um plano de contingência onde, aparentemente, se prevê a distribuição de máscaras a alguém (não percebi a quem, mas não me pareceu ser à população em geral. Também não percebi de que plano de contingência se tratava)
4.º Jornalista diz, em voz off, que OMS também já* aconselha uso de máscaras, enquanto na televisão passam imagens de um vídeo da OMS a (pareceu-me) ensinar a colocar máscara (já saía da frente do aparelho)
5.º Jornalista diz, em voz off, que DGS cumpriu as orientações da OMS.
6.º Mudança de notícia.
* Não ouvi qualquer menção ao "desaconselha" anterior.
Fiquei fascinada porque tem havido muitos ataques à Directora-Geral da Saúde, e este pareceu-me mais um. Continua a parecer - mais uma vez, parece-me que as palavras de Graça Freitas foram comidas, pois de "não há uma única medida completamente eficaz" passou-se para "usar máscaras não é eficaz".
Mas depois, e saltando ataques, motivações, e razões, fiquei perplexa perante a peça jornalística. Uma peça aparentemente bem coordenada, clara, ilustrada... e omitindo dados que considero essenciais:
a) O que fez aquela entidade para refutar as opções da DGS junto da própria Direcção-Geral da Saúde antes de vir para os jornais?
b) Se houve tal tentativa, qual foi a reacção da DGS e quais as respostas e argumentos para reiterar na opção tomada anteriormente?
c) Se não houve... porquê vir logo para a CS?
Após respondidas estas perguntas, sim, podem os jornais alimentar todas as polémicas que desejarem e que talvez pequem por defeito. Mas, assim, é apenas ruído. E incerteza. E mau serviço à Saúde e ao Público.
Este caso não é único. Tem-se visto nos órgãos noticiosos cartas de médicos ou de organizações de médicos a denunciarem qualquer coisa às administrações de saúde, às administrações hospitalares, às autarquias... cartas de autarcas a denunciar qualquer coisa à DGS, às Autoridades Regionais de Saúde (ARS), ao Ministério da Administração Interna (recordo o caso de Rui Moreira a dizer não reconhecer a autoridade da DGS por causa de um cordão sanitário cuja indicação nunca saiu das autoridades de saúde para as autoridades de segurança)... e em nenhuma, e sublinho este em nenhuma, encontrei respondidas aquelas duas perguntinhas básicas:
a) O que fizeram para comunicar a mensagem à DGS?
b) Qual foi a resposta da DGS?
Questionar as autoridades é legítimo, confirmar ou refutar, idem. Mas há outros canais para o fazer sem serem os canais da Comunicação Social (CS), porque...
apesar de muitos tentarem subverter as regras e patrocinar linchamentos e motins, em paz como na guerra,
... ainda vivemos num Estado de Direito minimamente organizado. A CS pode e deve noticiar estas discordâncias, mas não pode ser o arauto de contradições apenas porque são uma boa notícia. Não são, a CS é que as transforma em notícia antes mesmo de o serem porque a polémica vende!
Temos o direito de perceber - e a CS tem o dever de investigar e noticiar - onde é que a mensagem da DGS é truncada, e porquê.
Temos o direito de perceber - e a CS tem o dever de investigar e noticiar - se as vias de comunicação entre as várias entidades e a DGS estão abertas ou fechadas. E, neste último caso, por quem.
Será pedir muito?
Nota: agora ao jantar, o mesmo serviço noticioso voltou a abordar o assunto, mas com muito mais atenção às perguntas feitas - inquirido por aquela estação, o bastonário da Ordem dos Médicos disse algo como "do ponto de vista científico, a Dr.ª Graça Freitas sabe que o uso da máscara é a melhor opção, e isso é indiscutível; mas do ponto de vista de gestão, compreendo que seja difícil emitir uma recomendação para a população usar um equipamento que o mercado não tem capacidade de fornecer, o que pode, inclusivamente, levar a roturas de abastecimento em pontos onde são essenciais". Logo em seguida, o jornal avançou para as declarações da OMS e, imediatamente depois, para a reportagem sobre a subida do preço das máscaras desde o estado de emergência (na ordem dos 1400%). Não respondeu às tais perguntas, mas teve o cuidado de mostrar um outro lado da questão.
Talvez que, com um pouco mais de informação, alguns cidadãos analisem os vários factos antes de alinharem com a matilha no pedir da cabeça de alguém. Neste caso como noutros.
imagem recolhida n' O Resgate da História
Vivemos uma pandemia, e é difícil fugirmos ao tema. Mas há muitas pontas por onde lhe pegar. Por exemplo, nos termos usados.
Pandemia, que mais não é que a classificação geográfica da disseminação de uma doença, é um termo que assusta quem com ele não está familiarizado mas que sente a pandemia de agora. As outras pandemias têm passado por entre os salpicos dos espirros, e nem com a de 2009 a etiqueta respiratória foi devidamente assimilada, tão suavemente se foi.
Assusta o termo pandemia e assustam outros que, entretanto, passaram a fazer parte do nosso léxico diário. Mas este postal...
... não é sobre a pandemia e sim sobre a mitigação. Ou melhor, sobre o termo mitigação.
Isto porque surgiu a celeuma: "Mitigação é o acto de acalmar abrandar aliviar, e as autoridades estão a confundir a população porque, ao chamarem mitigação a esta fase, levam as pessoas a pensar que já não é preciso ter tanto cuidado e que se podem abrandar as medidas. As autoridades deveriam falar claramente em vez de confundir".
Haverá quem se interrogue legitimamente, por puro interesse na Língua Portuguesa, se esta mitigação não deveria ter outro nome. Mas a maioria dos que li, e foram vários, fazia desta questão uma arma de arremesso político contra o Governo, por interposta entidade - a DGS. O que é lamentável e insano.
[Antes de avançar no tema, relembro que o cargo de Director-Geral de Saúde é um cargo de nomeação política mas está sujeito a procedimento concursal, com requisitos técnicos específicos. Não é um cargo atribuído por simpatia ou confiança política, mas por comprovada capacidade técnica. Assim, os tiros lançados contra Graça Freitas que, na verdade, visam, António Costa, são tiros nos pés.
E, em jeito de declaração de desinteresse, informo que estou muito longe de simpatias partidárias e que este texto não é uma validação pessoal da actuação da DGS ou do Governo. Já agora, fica a nota: não alimentarei qualquer tentativa de debate que parta de presunção contrária.
Voltemos à mitigação.]
Um primeiro argumento que gostaria de desmontar é aquele que se refere à eventual confusão causada pelo termo junto da população. Sabendo que a Língua Portuguesa tem muitos mais vocábulos do que aqueles que ordinariamente se usam, teria muito gosto em saber quantas pessoas usariam correntemente o nome mitigação ou o verbo mitigar antes desta pandemia. Isto porque, sendo-me termos frequentes, muitas vezes tive de os explicar a pessoas de diferentes estratos académicos, profissionais e sociais. Minudências (olha outro) que pouco contribuem para esta questão, mas que, se extrapoladas, talvez demonstrassem que a confusão não será propriamente no público em geral. Infelizmente, quando escrevi que "gostaria de desmontar o argumento" não usei o condicional por delicadeza - ter acesso a tal estudo é mesmo condição para demonstrar se se confundiu uma franja da ou a população e, na sua inexistência, nada posso afirmar com certeza, apenas supor. Fica, assim, uma desmontagem à consideração do freguês.
Mas sem dúvida que o segundo argumento pode ser desmontado: "as autoridades devem falar claramente à população."
Absolutamente de acordo. Repito: absolutamente de acordo.
Acontece que as autoridades falaram claramente à população. Disseram que a fase de mitigação era aquela em que as cadeias de transmissão já eram locais, não importadas, e disseram até que podia ser transmissão em ambiente fechado, onde ainda se rastreava a origem, ou a nível comunitário, já não se conseguindo acompanhar a cadeia de transmissão. Explicaram que era a fase mais grave e que exigiria mais cuidado da nossa parte, pelo que não poderíamos descurar as orientações das autoridades e deveríamos manter o confinamento e as regras de higiene. Afirmaram ser a fase em que os infectados já não seriam automaticamente internados, apenas aqueles cujos cuidados assim o exigissem. Disseram, até, que os hospitais apenas acolheriam os pacientes com sintomas graves e que esperavam que a curva epidemiológica fosse achatada* o mais possível, de forma a evitar triagem em função da esperança de vida - como se está já a fazer em Itália e em Espanha.
Se, depois disto, alguém ficou com dúvidas sobre o não abrandamento das medidas, terá sido por desatenção, pois a mensagem foi propalada pelas autoridades e repetida em, pelo menos, três canais televisivos e cinco jornais online, em diversas e distintas ocasiões, quer pelas autoridades (Graça Freitas na mira) quer pelos jornalistas de serviço. Até eu, que mal vejo televisão, os apanhei no ecrã em passagens várias frente aos aparelhos.
Assim, a celeuma parece ser induzida não pelo emissor da mensagem nem pelo conteúdo da mensagem, mas por alguns receptores que terão ficado confusos com o termo ou que nele terão visto uma oportunidade. Receptores entre os quais vi professores e linguistas, muito incomodados com a tal "confusão causada à população" (ver uns parágrafos acima, sff). Se nos outros ainda se compreende a confusão, nestas classes profissionais, não. Porque estes profissionais são os que mais obrigação têm de saber que os termos gerais podem ter também usos específicos, técnicos - e que, neste caso, serão aplicados conforme as abordagens.
Tomemos o caso da epidemiologia, de onde nos vem esta fase de mitigação - e que, ao contrário do que parecem crer alguns cidadãos, não foi inventada para a Covid19. A abordagem é feita em função do agente infeccioso e seus efeitos. Na fase de contenção, as autoridades controlam a forma como este se transmite e concentram esforços em rastrear e quebrar a sua evolução, a sua disseminação. Tentam conter o agente. Na fase de mitigação não tentam controlar o agente porque este está já fora de controlo - os recursos concentram-se no abrandamento dos seus efeitos: na mitigação da doença. Mitigação dos efeitos do agente infeccioso, não abrandamento das medidas tendentes a evitar a sua disseminação. Que não abrandam, não entre nós, população - mas, agora, as autoridades dedicam-se menos aos infectados e mais aos doentes graves, porque o número destes aumenta exponencialmente. Em qualquer epidemia, não apenas nesta.
Depois das explicações dadas e repetidas em vários canais sobre o que é a Fase de Mitigação, pergunto-me o que levaria a população a pensar que fase de mitigação é o mesmo que acto de mitigação, e que se poderia usar livremente os seus sinónimos, entendendo fase de mitigação como abrandamento das medidas de segurança sanitária. Isto, mesmo supondo que metade da população mitigava a minha descrença no seu conhecimento do termo.
Conhecimentos mais ou menos técnicos à parte, e a título de curiosidade: consultando a Infopédia, veremos que mitigação significa, também e genericamente, limitar a severidade ou os efeitos nefastos de algo. Quase permite pensar que esta é uma controvérsia nascida da má escolha de dicionários. E assim pensaria, se não fossem os tirinhos à DGS.
Voltando, ainda, à "clareza da informação".
A informação foi transmitida de forma clara.
Ninguém é obrigado a conhecer conceitos técnicos que lhe não são quotidianos, mas a explicação foi bastas vezes veiculada e a dúvida levantada geraria menos, esta sim, confusão entre a população se todos os que a difundiram o tivessem feito como dúvida de Português e não como deficiente comunicação por parte das autoridades - os tais tirinhos.
* Este achatamento da curva merece um reparo, até porque ainda ontem à noite Marques Mendes o trocou com o planalto. A curva epidemiológica é uma campânula, do lado esquerdo o aumento do número de infectados, do lado direito a diminuição, contabilizados ao longo do tempo (o tempo no eixo horizontal, o das abcissas). No topo da curva, que coincide com o número máximo de infectados, poderemos deparar com um máximo de infectados obtido em escassos dias, o pico, normalmente resultante de um crescimento abrupto (uma campânula alta e estreita), ou com o planalto, em que os números se mantêm em máximos ao longo de um período mais prolongado (um sino mais baixo e largo). Achatar a curva significa conseguir diminuir o número de infectados num mesmo período, ou seja, actuar no lado esquerdo da curva, no lado do crescimento. Deste achatamento pode resultar o tal planalto, e na prática parecem ser a mesma coisa, até porque um planalto é um achatamento - mas aquilo que tentamos obter com o confinamento e com todas as outras medidas é o prolongar do período de crescimento da curva e não o prolongar do período de topo. Esta já não é uma questão da linguística e sim da matemática (e da biologia), mas fica a nota.
Não falo muito de desporto, ou de comunicação social vs desporto, aqui pelo burgo. Mas esta não posso deixar passar.
O Observador publicou no dia 25 de Março um artigo sobre a mobilização de atletas e clubes na luta contra a COVID19.
Abre o artigo com Cristiano e Mendes a equiparem uma ala do Hospital de Santo António (ou de São João?), passa por Sergio Ramos e pelos seus colegas do Real que angariaram kits, equipamentos de protecção e máscaras, fala em Djokovic a doar 1M€ à Sérvia e em Federer a doar 1M francos suíços (com gralha) à Suíça, vai até à Roma de Paulo Fonseca que doa bens essenciais a sócios com mais de 75 anos, e termina com o leilão organizado pela Fundação de Futebol da Liga Portuguesa.
Sobre o milhão de euros doados pelo Sport Lisboa e Benfica, Clube e SAD, ao Serviço Nacional de Saúde, noticiado no dia 20 de Março na Tribuna do Expresso, nem uma palavra. Sim, também o Observador isto noticiou no dia 20, mas também havia noticiado no dia 24 as doações de Ronaldo e Mendes, o que torna inexplicável, à luz da informação isenta e rigorosa, a omissão da doação do SLB.
Até no meio de uma pandemia os chamados jornais de referência conseguem manter viva a chama do peçonhento clubismo. Vão ser tendenciosos para o raio que os parta!
Adenda (com um agradecimento à /i.): já no dia 17 de Março o Diário de Notícias noticiava que a Fundação Benfica havia anunciado ter já adquirido 3 ventiladores para oferta a hospitais de Lisboa, Porto e Coimbra, e declarado ir prestar, em parceria com a GNR, apoio social de emergência a cerca de 3000 idosos isolados e sinalizados ao abrigo do "Programa Apoio 65 - Idosos em segurança", do Ministério da Administração Interna. Sobre isto, não encontrei nem uma palavra no Observador.
E tiveram bastante tempo para corrigir a gralha, que nem a Suíça precisa de fracos suíços nem o Federer conseguiria reunir um milhão deles tão rapidamente. Já fracos jornalistas...
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