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O docente agrediu o aluno. E foi notícia. E reabriu discussões que nunca estiveram encerradas.
A reacção
O docente agrediu o aluno. Foi chamada a autoridade de segurança e o professor foi detido. Foi decretada suspensão imediata e foi-lhe instaurado processo disciplinar.
O aluno foi agredido. Foi observado no hospital. Foi sujeito a perícias técnicas. Foi decretado acompanhamento psicológico ao aluno e aos colegas de turma.
Pelo que li, o docente não é professor. É um técnico com habilitações suficientes para leccionar a disciplina. O sistema educativo prevê que possam ser docentes indivíduos com habilitação profissional, com habilitação própria e com habilitação suficiente para qualquer ciclo de estudos a partir do 2º Ciclo. Não é exigida uma formação adicional em pedagógicas, por exemplo. E eu não percebo como não são exigidas competências pedagógicas para leccionar até ao 3º Ciclo, dadas as médias de idades em causa serem inferiores a 15 anos. Também não sei se ou como as escolas comunicam as habilitações do corpo docente aos encarregados de educação, ou se associação de pais tem uma palavra na matéria - mas estranho este assunto não ser propalado. E sei que eu exigiria tal informação.
Também não sei que outros mecanismos terão as escolas para seleccionar os docentes mais adequados.
Faço aqui um aparte para falar dessas figuras interessantíssimas que são o Técnico de Segurança no Trabalho e o Médico do Trabalho. Aparentemente surgiram para onerar as empresas e criar emprego para uma série de gente que usa chapa 5 no seu trabalho. Bom, eu não sou uma dessas gentes - mas sou das outras, daquelas (muito poucas!) que exigem que técnicos e médicos façam o que lhes compete: avaliar as condições de trabalho, os riscos de segurança e saúde no trabalho e a aptidão física e mental do trabalhador para desempenhar a sua função face aos riscos a que está exposto. E levo isto tão a sério que me chateio seriamente quando vejo que o Estado é o primeiro a não cumprir. E que os MT, que tecnicamente deveriam ser os que decidem sobre doenças profissionais e encaminham para juntas médicas, muitas vezes nem saibam que os trabalhadores cujas fichas assinam com "APTO" têm graus de incapacidade profissional. Uma descoordenação terrível, uma terrível perda de dinheiro e de paciência. Ficaram com uma ideia, e volto ao tema do postal.
Os docentes têm ADSE (porque pagam para a ter, e este é outro assunto). Mas não têm Medicina do Trabalho. E como ninguém pode ser discriminado e os dados médicos são pessoais e intransmissíveis - daí a importância da Medicina do Trabalho! - não imagino como farão as escolas a avaliação do perfil psicológico de quem irá trabalhar com crianças. Mas parece que o cadastro criminal é quanto baste para atestar da idoneidade. Não sabendo quais os critérios de admissão à docência em cada agrupamento, e portanto esperando estar enganada, desconfio que não serão muito exigentes nesta matéria. Não é por nada, mas é só alguém que vai lidar com as nossas crianças. Com muitas crianças distintas em simultâneo.
Perante o acima exposto, e sendo contra a violência em qualquer contexto, a par de assacar responsabilidades ao professor, gostaria de assacar responsabilidades ao agrupamento escolar, à associação de pais, ao ministério e ao legislador. Porque TODOS permitiram que este docente fosse colocado naquela sala de aulas.
Acresce a completa penalização que vem sendo feita aos professores, o desrespeito que estes vêm vivendo por parte de todos os sectores. E a falta de educação que as crianças demonstram.
Onde está o processo disciplinar às crianças que desrespeitam os professores? O facto de os pais não educarem os filhos não obriga o corpo docente a lidar com insultos e desrespeitos impunemente. E por isto também gostaria de assacar responsabilidade aos agrupamentos escolares, às associações de pais, ao ministério e ao legislador, pois qualquer processo disciplinar acaba por ser inconsequente, coitadinha da criança que não é responsável... e não será enquanto não for responsabilizada - com medidas adequadas à idade e à infracção, obviamente.
Defendo há muito a criação de cursos de formação para pais. Não para lhes orientar os valores a educar, mas para os dotar de ferramentas que lhes permitam educar os filhos com os valores que entenderem. Pedagogia. Aprende-se em livros, mas só nos muito bons - e o que não falta por aí são maus livros para aprender a lidar com as crianças. Nem falta maus pais a despejarem os filhos nas escolas e a esperarem que os docentes façam aquilo que é competência dos pais.
Poderia ainda falar do nosso modelo de organização social, que contribui para a falta de tempo de qualidade entre pais e filhos - mas sendo verdade que o modelo não ajuda, infelizmente também não tem todas as responsabilidades. Fica para outros postais.
Discussão 2 - A Notícia
Vendo esta mini-reportagem da SIC Notícias, em que o representante dos pais dos alunos da sala de aulas explica (sic) o ocorrido dentro e fora desta, apercebo-me da impraticabilidade descrita: se o professor agarrou o pescoço do aluno de frente, segundo indicado pelas marcas descritas, nunca poderia bater com a cabeça do aluno na mesa a menos que o forçasse para trás (e o dano seria na coluna do aluno). A alternativa seria agarrar-lhe a face e bater com a própria mão contra a mesa, puxando e não empurrando.
Não pretendo analisar os contornos judiciais deste caso, não o faço em nenhum; apenas denuncio contradições ecoadas sem filtro.
Os órgãos de comunicação social congregam esforços para o sangue; os factos talvez nos venham a ser revelados um dia. Ou não. Mas nos entretantos, entre tantos, não esperem que eu acredite em tudo o que é noticiado.
E muito menos esperem que compreenda as razões dos pais indignados. A reacção deste docente é inaceitável. Mas há muitas inaceitabilidades antes desta - e assobiaram para o ar. Pais, sociedade, comunicação social. Todos são culpados por termos voltado a este ponto.
Nota: A Pequeno Caso Sério queria ficar calada mas não conseguiu, e fez muito bem! Nos comentários disse-lhe que o meu comentário teria muitos argumentos. Era demasiado para comentário, não era?
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