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Antes de entrar no postal propriamente dito, cumpre-me esclarecer que aprecio o Polígrafo, apesar de este ter muito a melhorar; que não conheço o verificador nem lhe conheço mais trabalhos; e que não conhecia, continuo sem conhecer, o colectivo responsável pelo texto avaliado. O que neste postal partilho resulta exclusivamente da leitura dos artigos em causa.
Esclarecida esta questão, sigamos...
O Polígrafo dá-me conta de que circula nas redes um texto [de um colectivo autodenominado Os Incorruptíveis] afirmando que os deputados portugueses custam 40 vezes mais do que os deputados espanhóis, e que vai verificar tais factos.
E eu li a verificação dos factos, e verifiquei que o verificador não verificou grande coisa, antes escreveu um texto em que apenas demonstra a sua confusão.
O verificador Gustavo Sampaio, doravante G.S., pessoa talvez muito competente que neste dia teve azar, falha logo na interpretação que dá às alegações: o texto que se propôs verificar fala em custo, o verificador diversas vezes entende salário. Mas já voltarei a esta questão.
G.S. começa por verificar os orçamentos, e corrige: o orçamento da Assembleia da República para 2018 foi de 104 909 890,00€, mas em Espanha as Cortes Gerais têm três orçamentos e não apenas um, que em 2018 foram os tais 54,5 milhões de euros, cf. indicado, acrescidos dos orçamentos específicos do Senado, cerca de 54,1 milhões de euros, e do Congresso, cerca de 39 milhões de euros. O que, segundo as contas do Polígrafo, contabilizaria cerca de 147 milhões de euros em Espanha contra os cerca de 105 milhões de euros em Portugal.
Seria quanto bastaria para desmontar a veracidade das alegações, factos concretos rebatidos.
Mas G.S. quis ir mais além, suponho que com o intuito de desmontar a proporcionalidade aventada por Os Incorruptíveis - afinal, mesmo com erro nos valores, até sem grandes contas se verifica que temos mais de 2/3 do orçamento espanhol para uma casa com um pouco mais de 1/3 dos deputados. [Relembro, como fazem no texto Os Incorruptíveis, que Portugal tem 230 deputados e Espanha conta com 616 pessoas, entre 266 senadores e 350 congressistas.]
Se até aqui G.S. foi claro, a partir deste ponto deixa de o ser, deixa de explicar, deixa de verificar. Confunde-se, baralha-se, opina - e factos, nenhum.
Apurar o custo per capita de um deputado não é verificar a sua folha salarial mas contabilizar todos os encargos relacionados com a manutenção do seu lugar. Portanto, de forma simplista, dividir o orçamento da Assembleia da República pelo número de deputados da nação. Como fizeram no tal texto que o Polígrafo verificou.
E se o verificador, diligentemente, se apressou a contestar tais contas avançando que os deputados espanhóis auferiram em 2018 cerca de 55 000€ e os seus homólogos portugueses apenas 49 000€ [sem explicar onde ou como apurou este valor], foi incapaz de explicar o que aconteceu ao remanescente do orçamento: nem apresentou o custo de cada deputado nem rebateu a proporção, ou desproporção, verificada em ambos os lados da fronteira.
Em compensação, pespega no artigo
"No caso de Espanha, acrescem as 17 comunidades autónomas e respetivos parlamentos (em Portugal há apenas duas assembleias regionais das regiões autónomas da Madeira e dos Açores)"
informação que apenas faria sentido se os orçamentos dos parlamentos das regiões autonómas saíssem dos orçamentos dos parlamentos nacionais. Que não saem. Já se pretendia evidenciar a quantidade de deputados (17 regiões e províncias deles contra as nossas 2) e, com isso, o esforço orçamental adicional em terras de Espanha, teria sido interessante que tivesse analisado os respectivos orçamentos e o número de deputados em causa - por exemplo, a Catalunha tem 136 deputados para cerca de 7,5 milhões de habitantes, La Rioja tem 33 deputados para cerca de 300 mil habitantes, a Madeira tem 47 deputados para perto de 255 mil habitantes. [não tive oportunidade para averiguar os orçamentos de cada um, mas também não é esse o objectivo do postal]
Apresentando unicamente os valores dos orçamentos dos parlamentos nacionais e do tal valor auferido pelos deputados - que, repito, não foi justificado - G.S. termina aquilo a que chama verificação de factos dizendo que as afirmações de Os Incorruptíveis são falsas porque sustentadas "Partindo mais uma vez de números errados quanto aos orçamentos e fazendo cálculos pouco rigorosos a partir dos salários médios, dívida pública e PIB de cada país."
Assim. Confundindo salário com custo, sem apresentar contas nem fontes, abstendo-se de explicar o raciocínio que lhe permita sustentar os "cálculos pouco rigorosos" e adicionando informação desnecessária.
É preciso ter muito descaramento para escrever um tal artigo e chamar-lhe verificação de factos, mas parece que é o que vamos tendo mesmo nos que desejamos "jornais de referência".
Nota: apesar de Os Incorruptíveis terem errado as contas e apresentado uma relação acima da real, ainda assim a diferença entre os dois países é acentuada. Seria bom dedicarmos mais tempo a pensar estas contas, estes orçamentos, estes retornos.
Este postal não é apenas sobre uma vergonha.
Foto de Eduardo Gageiro, recolhida em Parlamento
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