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(fonte da imagem aqui; e por aí em cargos vários, as orelhas)
Leio que "Alunos com piores notas no exame de português são os que escolhem ser professores".
E fico estupefacta, pois conheço antigos colegas hoje professores de várias áreas que tiveram excelentes notas, antes durante e depois da minha frequência de tal disciplina nos ensinos básico e secundário. Intrigada e preocupada com as eventuais alterações curriculares que terão afastado as boas notas a português dos professores, ou com a (má) vida que terá afastado os professores das boas notas a português, vou-me à notícia.
Choco, embora não chocada porque já habitual, com a evidência do sensacionalismo jornalístico: não, afinal não são apenas os piores alunos de português que acorrem aos cursos pedagógicos, pois afinal trata-se da análise de 1 média de 1 exame nacional em 1 ano lectivo. Singular, tudo isto...
Convém referir que a média em causa se situava, no ano lectivo analisado que foi o de 2016/17, em 10,2, dez vírgula dois - já os alunos de comunicação social granjearam 11,8. Onze vírgula oito. Fixemos estes valores, a eles voltaremos.
Entretanto, vejamos que entre os futuros profs estatisticados, e assim denunciados como fraquinhos na língua pátria, estão os que estudaram a Língua Portuguesa porque em Humanidades, os que estudaram a Língua Portuguesa porque em Ciências Económicas e Sociais, e os que estudaram a Língua Portuguesa porque em Ciências Naturais, e talvez ainda todos os outros de todas as outras áreas de estudos que não refiro não lembro não conheço. Todos estudaram a língua, tal como os alunos que se candidataram a cursos de Comunicação Social, mas estes com mais profundidade do que os de Ciências Naturais ou Económicas pois que maioritariamente oriundos de um secundário de Humanidades feito. E muitos das humanidades perdidos quando na vida activa. Cá voltaremos, também...
Estas baixas médias em Língua Portuguesa permitem reabrir o debate: afinal, o que se pretende dos professores? Que sejam bons alunos na língua que todos falamos ou que sejam exímios pedagogos e que dominem conhecimentos na sua área científica?
Um professor é um modelador de mentes e de carácteres, não apenas um explicador limitado à sua área de formação. Logo, tem de conhecer, tem de aplicar e tem de exigir aplicadas as regras comuns da Gramática da Língua Portuguesa, Pragmática antes de Sintaxe e Semântica.
Por outro lado, um exame não avalia as capacidades de um aluno. Classifica apenas o que o aluno consegue debitar no momento do exame - pois é, a avaliação contínua é uma prática muito do meu agrado, e embora compreenda a necessidade de quantificar o conhecimento, deparo-me sempre com a impossibilidade matemática de resumir o saber adquirido ao longo de uma recta de anos num ponto do mesmo eixo temporal. É este um outro tema - se bem que relacionado, pois nisto da cidadania da educação e do ensino anda tudo mais interligado que o ovo e a galinha, só não se pode é contar com o dito no dito-cujo da dita.
Voltando às médias e aos professores saberem ou não saberem português, lembro-me de um meu professor universitário da área da biologia que escrevia muito. Escrevia tanto que, nas aulas teóricas, projectava nas paredes as sebentas que escrevera e, não satisfeito, lia-as vírgula a vírgula numa excelente dicção apenas audível nas três primeiras filas. Felizmente imobilizava-se junto ao retroprojector, movesse-se ele e lá se iriam as ondas espraiar longe dos ouvidos sonolentos que as aguardavam. Lembro isto nitidamente, já menos nítida recordo a microbiologia por ele escrita que, não obstante, foi muito bem ensinada nos laboratórios pelo próprio e pelos assistentes sob sua orientação.
Pretendo com esta ilustração verídica demonstrar que, se a Língua Portuguesa é condição sine qua non para se ser um bom professor, as competências comunicacionais deviam-no ser mais. Mas, e acima de tudo, deviam ser avaliadas e equacionadas as capacidades e limitações de quem realmente sabe, para que o Saber não fique perdido entre vozes baixas que funcionam em laboratório mas não perante cem alunos, ou em textos técnicos confusamente escritos porque, entre decorar definições gramaticais e praticar a sua aplicação, a quantificação ganhou e o professor de física teve que aprender e apreender outras fórmulas, não tendo por isso pachorra para, sozinho, tentar perceber o que raio seria aquilo de atractores de próclises. Sim, disse sozinho - a forma como são leccionadas as disciplinas de português aos alunos de outras áreas científicas é muitas vezes direccionada para a nota positiva nos exames e não tanto para a aprendizagem efectiva. Porque os professores conhecem, na prática, os desajustes dos currículos e das fórmulas de avaliação, e o modelo de ensino não lhes permite muito espaço de manobra para ajustes directos (ao contrário do que acontece com o Código das Contratações Públicas um muito por todo o Estado! Desculpem, isto não é deste postal, escapou-se-me...)
Títulos como o da notícia mais não fazem que rebaixar a profissão do professor. De qualquer professor.
Numa sociedade que exige tudo e nada dá, onde o ruído abafa qualquer som, onde a moda é contestar sem saber ler nem escrever os porquês da contestação quanto mais as propostas para melhoria, este tipo de títulos dá, certamente, muita visibilidade ao jornal que o escreve.
Mas... lembram-se dos números que deixámos uns parágrafos acima? Pois é, os senhoras da Comunicação Social, cuja formação no ensino secundário é feita maioritariamente em Humanidades e cujo ensino superior prevê mais horas de disciplinas de Língua Portuguesa do que o dos professores de Matemática, Física e Biologia juntos, têm uma excelente razão para se regozijarem (11,8)... entredentes e com orelhas de burro, digo eu perante títulos como este.
Que a Língua Portuguesa é por nós muito maltratada, é um facto.
Que os professores são maltratados e destratados, tendo ou não responsabilidades individuais e colectivas, é outro facto.
Que a Comunicação Social tem enormes responsabilidades nos factos anteriores, desafio-vos a contradizer!
Agradeço aos Professores que foram meus. Mais do que me ensinarem a matéria curricular, apoiaram-me e deram-me liberdade para ser curiosa e perguntar criar sonhar - e por isso os guardo em mim. Foram e serão sempre meus.
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