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cabeçalho sobre foto de Erika Zolli
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Apetecia-me não escrever nenhum postal hoje - e apenas para não afundar o postal de ontem, como que a deixá-lo em destaque para que quem passa bata com os olhos nele.
Não por vaidade, embora confesse que gosto do resultado, que gosto especialmente dos diapositivos na última ligação.
Mas pela dor: os números doem. As realidades doem. E fazem-se sofrer, mas tantos de nós alheados...
Nisto, lembrei-me de números que vamos esquecendo pela voragem de outros números que se impõem ao dia: as vítimas de Kenneth e Idai e os esforços de reconstrução de Moçambique, tão semelhantes nas necessidades e tão distintas nas causas das vítimas dos massacres dos Tutsi no Ruanda e dos Rohingya no Myanmar, massacres estes separados por quase 25 anos mas com as mesmas motivações, tão semelhantes às que levaram Hitler a construir fornos crematórios ou que fizeram de Masada uma cidade sitiada cujos herdeiros sitiam agora outros...
Todos os dias surgem novas vítimas, lá e cá - porque, embora noutra dimensão, também por cá as temos: vítimas da falta de civismo e das más acessibilidades, vítimas do esquecimento da família e da sociedade, vítimas da vida moderna.
São vítimas distintas, aquelas que lutam pelo direito a viver e aquelas que se confrontam com dificuldades para viver com saúde e autonomia. Mas nunca gostei da frase "Chorei por não ter sapatos até que vi uma criança sem pés": não me nivelo pelos mínimos, e nos meus braços cabem todos os injustiçados. Recordar uns não retira aos outros espaço na memória. Nem me limita as acções, limitadas pela minha insignificância e não pela minha indiferença.
E estas tantas vítimas têm causas distintas, entre a natureza tão alterada pelo homem e os homens alterados por vaidades várias.
"De que adianta falar e falar?", peguntarão...
... falo para que quem me lê ouça.
... falo para que quem me ouve pense.
... falo para que quem pensa não esqueça.
... falo, sobretudo, para que eu não me esqueça.
Não me esqueça de comer produtos locais e da época e evitar, tanto quanto possível, congelados enlatados importados porque mais saudáveis os primeiros, sim, mas também muito menos poluentes.
Não me esqueça de indagar a origem dos produtos e de investigar as marcas, preferindo aqueles e aquelas onde encontro cuidado e responsabilidade social.
Não me esqueça de que os artigos novos são bonitos e brilhantes mas são utilitários e não sinais de poder, que a pegada ambiental e social causada pelos artigos novos de que não preciso pesar-me-ia muito mais do que me pesam já alguns hábitos impostos e adquiridos talvez sem remissão.
Não me esqueça dos pequenos gestos e não me esqueça de que os pequenos gestos são pequenos mas são meus. E que sem eles talvez deixe de dormir bem, deixando de dormir bem deixe de pensar, deixando de pensar me limite a consumir o que me querem vender. Nessa altura serei um arremedo de mim, um remendo de gente que fui. E não serei, não estarei nem para mim nem para elas - as vítimas sobre quem agora escrevo.
imagem recolhida na rede: carta de tarot
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