
Da resposta devida a um comentário, naufragada entre temporais de disponibilidade e bateria, aproveito para fazer postal. A resposta incial era menos elaborada mas, notando agora que não a submeti, sigo à bolina e abordo mais profundamente dois temas sobre os quais acabei por nunca publicar mais do que comentários: o Politicamente correcto e o Museu das Descobertas de Lisboa.
Sobre o politicamente correcto
Ao politicamente correcto surgido nos anos 80 como forma de exigir igualdade no tratamento e elidir conotações desiguais e discriminatórias, sobrepôs-se agora o politicamente correcto referente ao incorrecto, ao exagero. O problema deste termo é que acaba por promover a descredibilização do tal inicialmente correcto. Manipulações linguísticas que muitos usam para retirar força às exigências legítimas. Há muito exagero, sem dúvida, e o exagero é politicamente incorrecto.
Chamemos os bois pelos nomes, e se o PAN não gostar que entre também na discussão.
Sobre o Museu dos Descobrimentos
Acabei por nunca escrever o postal que alinhavei mentalmente, pelo que aproveito o ensejo.
Um
museu destes nesta época faz-me sentido se contar ambos os lados da História, dos descobridores e dos então descobertos territórios para o mundo europeu.
Não contesto o nome, Descobrimentos porque descobertos novos caminhos e novos territórios habitados, sim, mas depois colonizados pelos descobridores. O que alterou todo um modo de vida anterior e desenhou novas sociedades. Agradável ou não, é um facto, e chamar-lhe outra coisa não o vai alterar. Expansão afigura-se-me muito mais colonialista, imperialista: a população não se expandiu, miscigenou-se, e se os territórios inicialmente serviram para expandir impérios, ao cabo de 400 anos recuperaram a independência - um museu da Expansão não pode incluir estes novos países, tem de os deixar de fora do estudo da história sob pena de a continuar a colonizar, integrando-os num território político expandido que já não é o seu.
Não contesto o nome mas contesto tal museu se tem como objectivo único a exaltação, a glorificação da arte e engenho lusos, até porque já temos alguns museus dedicados ao tema.
Um museu dos Descobrimentos tem de contar a evolução técnica, as aventuras marítimas, mas também a história dos encontros de culturas e as suas consequências, boas e más: a escravatura que existia e o nosso papel no processo, a evolução técnica e agrícola e a adaptação das sociedades, o convívio e os processos mais e menos pacíficos de aculturação de ambas as partes, enfim, todas as vertentes de tal mudança.
Contesto também que seja mais um museu municipal - um museu destes devia ser supra-nacional pois aborda a história comum a outros estados-nação, história que desenhou novos países e inaugurou uma nova época da humanidade, a globalização. Lisboa é a capital do país, quer um museu dedicado ao tema e tem toda a legitimidade, tem todo o sentido. Mas o Ministério da Cultura deve ter um papel activo na coordenação dos museus, do acervo mas também do objectivo pois trata-se de museus financiados. Assim, um museu dos Descobrimentos em Lisboa, sim, mas pensado como parte integrante de um conjunto e não como um museu autónomo. Lisboa tem de aprender a descentralizar. Incluindo na cultura, dinamizando e privilegiando a ligação em rede.
Um museu não é uma bandeira, é um acervo de registos que contribui para contar a História, e por isso não deve, pelo menos não devem os que têm capitais públicos, ser usado com fins políticos. Excepto no cortar da fita, pronto. As polémicas geradas em torno da questão são políticas e não se centraram nem centram, afinal, no museu mas em interpretações da História.
Por outro lado, os museus tendem a ser vistos como mostruários. Quando serão projectados como fonte de conhecimento? Quando os usaremos interactivamente como investigação e aprendizagem? Este seria uma excelente oportunidade para tudo isso: definindo pólos em diversos locais geográficos, até noutros países, criar-se-ia uma rede de museus especializados ligados sob o mesmo tema - verdadeiramente ligados, com partilha do acervo, com interactividade entre investigadores e público localmente e via videoconferência... as possibilidades são enormes. E querem reduzir tal potencialidade a umas salas com montras? Cristalizadas numa história que
já foi contada de várias maneiras?
Visitem, e depois contem como foi.