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Os crimes relacionados com exploração de crianças já levaram, entre 1 de Janeiro e 31 de Outubro deste ano, à detenção de 207 pessoas. 

Estas detenções resultam da investigação de, e transcrevo,

2.206 situações inseridas na tipologia de crimes de abuso sexual de crianças, abuso sexual de dependentes, aliciamento de menores para fins sexuais, atos sexuais com adolescentes, lenocínio de menores, pornografia de menores, recurso à prostituição de menores e violação, contra crianças e jovens. (in Sapo 24)

O número de detenções indicado parece elevado, assustador: 207, duzentos e sete adultos agressores. Mas as denúncias foram 2206, pelo que, mais do que o número de detenções, assusta-me o que ficou por investigar ou por provar nestes 2206 casos que apenas conduziram à detenção de 207 agressores.

 

Por outro lado, a Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV), numa brochura que tem o patrocínio da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ), diz que

O abuso sexual de crianças é três vezes mais comum do que os maus-tratos físicos a crianças. Dados estatísticos, que se acredita estarem subestimados (50-80% das vítimas não apresentam queixa), indicam que 25% das mulheres foram abusadas na infância. (in Abuso Sexual de Crianças, Mitos e Realidades)

Se a AMCV estiver correcta, então entre 1 de Janeiro e 31 de Outubro deste ano os casos de crianças vítimas de abusos sexuais não foram os supra-indicados 2206, antes se situam entre os 4412 e os 11030.

 

Como é possível?

Grande parte dos abusos ocorrem em ambiente familiar e são perpetrados por membros da família ou da vizinhança. Já o sabíamos de anos anteriores, e os dados deste ano não indicam alterações:

"Recorrendo ao critério de avaliação da relação entre vítima e agressor sexual prévia à situação crime, verifica-se a prevalência da relação de proximidade, entre vítima e agressor, previa à situação abusiva”, é referido.

Esta proximidade assume a natureza familiar, educacional, assistencial ou geográfica (vizinhança, por exemplo) e corresponde a cerca de 65% dos casos investigados. (in Sapo 24)

 

Então, se sabemos que em 10 meses 11030 crianças podem ter sido abusadas por familiares e vizinhos, por pessoas em quem, naturalmente, se habituaram a confiar...

... não será tempo de o Estado chamar a si a responsabilidade de educar as crianças para a auto-defesa?

Não será de pensar fazer da escola, incluindo a rede de infantários e ensino pré-primário, a primeira linha na prevenção dos crimes contra a autodeterminação sexual, seja pela explicação do direito à autodeterminação e à inviolabilidade do corpo, seja pelo ensino de mecanismos de resposta e de busca de apoio em situações de ameaça? 

Porque dotar centros médicos e escolas com mecanismos de detecção do abuso não chega: uma criança a quem são detectados sinais de abuso é uma criança que já perdeu a infância, é uma criança traumatizada, é uma criança a quem os adultos falharam.

Falhar a 1 criança é-nos doloroso. Falhar, só este ano, a 11030 é-nos abominável.

 

imagem: quadro da série Crying Boys, de Giovanni Bragolin

[Cuidemos de todos cuidando de nós: Etiqueta respiratória. Higiene. Distância física. Calma. Senso. Civismo.]
[há dias de muita inspiração. outros que não. nada como espreitar também os postais anteriores]

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lançado às 18:57

Onde ideias-desabafos podem nascer e morrer. Ou apenas ganhar bolor.


Obrigada por estar aqui.



38 comentários

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De Gaffe a 19.11.2019 às 11:29

As experiências que os médicos de MGF têm tido com as CPCJ não são de todo as mais positivas.
As solicitações de informação clínica chovem por todo o lado e não são focadas. São generalistas ( a criança tem o plano de vacinação em dia? É seguida pelo médico de família? tem tido consultas? Acrescente o que considerar conveniente ...). É impossível organizar um estudo sério de caso. Há médicos que são invadidos, encharcados, por solicitações das CPCJ que se tornam inúteis porque é impossível reconhecer validade a tamanha dose de processos. Tudo deixa de ser credível. O trabalho das CPCJ (pelo menos de muitas) parece apenas auto-defensivo. Vai escapar um caso realmente sério por entre tanto e tão exagerado "zelo". É evidente que, quando acontece, se pode dizer sempre que o caso já estava referenciado. Claro que sim! Referenciam tudo! 
A articulação com outras entidades, organismos, tribunais e outras instituições é altamente burocratizada. Interessa o dossier na estante e a certeza de se ter o caso referenciado para posterior "fuga", quando acontece uma tragédia. As CPCJ são preventivas. Anotam muito zelosamente o que pode correr mal. 
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De Sarin a 19.11.2019 às 11:38

Acredito que assim seja, as CPCJ não têm recursos nem pessoal especializado para fazer o trabalho que deve ser feito. Conheço quem, dentro da CPCJ, se sinta impotente por falta de tudo - nomeadamente, o serem zelosos nessas anotações e nada mais.
Não existe uma articulação dos serviços, não existe uma política séria de prevenção nem temos uma estratégia concertada de actuação nestes casos. Ter protocolos não chega, então e o treino? A sensibilidade? As instalações? O poder para agir no imediato?

As chefias das CPCJ dão uma muito má imagem dos seus funcionários :( E isso é o menos nesta história :'(
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De Gaffe a 19.11.2019 às 12:26

Concordo com tudo o que referes, mas tal não justifica este "fazer de conta" arquivista e coleccionador.  
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De Sarin a 19.11.2019 às 12:51

Não justifica, nem muito nem pouco! É uma perda de recursos que poderiam ser devidamente afectados - não se podendo salvar todos, que se salve alguém, mas em risco, não os directores. Por isso eu dizer algures nos comentários que o problema é mais político e menos de orçamento.

[a palavra a quem a quer]




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