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Urge mudar o estilo de vida.
Mas urge mudar de forma global e concertada, não por acções isoladas - que se arriscam a surtir efeitos adversos ou a não surtir qualquer efeito que não fazer-nos perder tempo ou paciência.
E urge mudar não apenas pela degradação do meio ambiente mas porque seremos 9 biliões de humanos dentro de 30 anos, demasiados humanos para os recursos do Planeta - a curva de Malthus anda a gritar-nos isto desde princípios do séc. XIX, apesar de haver quem insista em a negar.
Como solução, há quem entenda que devemos adoptar uma alimentação vegetariana. O que é interessante para alguns; mas sê-lo-á para toda a população?
Nós, animais humanos, estamos no topo da cadeia alimentar. Aquilo que nos serve de alimento resulta de escolhas racionais, sim, mas resulta, antes de tudo, de uma evolução genética que nos trouxe o polegar oponível, o bipedismo e um intestino que assimila o que está geneticamente programado para assimilar, sem qualquer respeito pela nossa racionalidade. Para mais, especializou-se nas dietas locais, o que faz com que muita gente se dê mal com a ementa dos países que lhe são exóticos ou que, com isto da globalização, se descubra com estranhos sintomas de doenças que não tem. Claro que o intestino se pode habituar a novas dietas, mas nem sempre nem todas. Ao que não se habitua é a processar proteínas que não está programado para processar - e um alimento de bom sabor que nos deixa saciados pode perfeitamente ser expelido sem nos nutrir.
Voltando aos 9 biliões. Arranjar alimento para esta gente toda, mesmo sabendo que a quantidade difere drasticamente entre os povos (a qualidade também), implica esgotar os solos e acabar por ter de adubá-los industrialmente ou recorrer a outros substratos - artificiais, porque os naturais não chegam; também passa por desenvolver cultivares mais produtivas e resistentes, cada vez mais resistentes; e passa ainda por combater as doenças e as pragas que atacam as culturas, o que traz dificuldades acrescidas para os vegetarianos já que os coloca em desvantagem na competição directa com as pragas. Tudo isto coloca-nos a todos sob a influência da poderosíssima indústria farmacêutica - poderosa e muito poluente. Deixando-nos, aos humanos, dependentes dos países que tenham capacidade para absorver aos produtos das tais farmacêuticas.
A poluição resultante da produção dos alimentos é cumulativa com a causada pela sua transformação (desidratação, moagem, etc) e com a resultante da conservação e transporte de alimentos refrigerados... De todos os estudos feitos sobre impacto ambiental (nem falo dos económicos) de cada produção, há um que está em falta: a comparação, por porção de referência e capacidade produtiva, entre produção local para consumo omnívoro e produção local para consumo vegetariano. Porque os animais são importantes, mas são apenas uma parte do planeta.
Volto ao que disse no início do texto... Somos animais e estamos no topo da cadeia alimentar. Não é uma opção, é um facto biológico e evolutivo. Se deixássemos todos de consumir proteína animal, quanto tempo demoraria até surgirem os problemas de saúde pública por subnutrição? Falo de vegetarianismo em escala, não de pequenos grupos de indivíduos. Uma escala que não se compadece com o ser Portugal deficitário na produção agrícola ou ser metade do Mundo altamente deficitário em tudo, incluindo água. Uma escala que não se importa com as proporções necessárias para uma substituição minimamente equilibrada. Uma escala que desdenha as alergias e as intolerâncias alimentares.
Respeitar os animais e a natureza passa por aceitar que somos tão animais e fazemos tanto parte da natureza como os outros seres. Que temos direito a um espaço no planeta. Estamos a destruí-lo? Estamos. Claramente, e desde a revolução industrial. O problema, infelizmente, não está relacionado com a poluição e o consumo de recursos naturais advindos da industrialização mas sim com a explosão demográfica que esta permitiu. Nos países industrializados conquistaram-se décadas de vida e eliminaram-se muitos factores de mortalidade: agora nascemos menos mas duramos mais. E consumimos muito mais do que precisamos.
Curiosamente, não ouço aos activistas uma ponderação, sequer uma palavra, sobre a demografia. Ou sobre as políticas agrícolas que permitiriam alterar sustentavelmente os nossos hábitos alimentares no médio-longo prazo.
Uma criança é uma boca para alimentar, é mais um humano a esgotar durante 80 anos os recursos desta Terra depauperada principalmente por nós, mundo ocidental industrializado... e ninguém fala em controlo de natalidade? Não daquele controlo que se faz porque agora não dá jeito ser mãe ou ser pai, mas daquele que se terá de fazer para que não canibalizemos a espécie, animais que somos sem outro predador que não nós. Nós que em 2050 seremos 9 biliões. 9 000 000 000 000, para que não haja confusões.
Quase um cenário distópico. E que levanta outro tipo de questões num mundo em desequilíbrios vários.
Por tudo isto, pergunto-me o que pretendem exactamente estes manifestantes. Se realmente respeitar os animais e talvez o planeta, ou se eliminar o seu desconforto, na crença de que o mundo, ou mesmo o país, é igual à cidade em que se criaram com água potável, saneamento básico, alimentos diversificados e consultas de especialidade.
As políticas devem ser sensíveis mas guiadas pela razão. Guiadas pela emoção geram coisas estranhas.
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imagem: Periodista Digital
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