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Li a notícia. Li várias opiniões e várias respostas às opiniões. Pois também quero opinar!
Não posso condenar o ataque à sede do Porta dos Fundos.
Não posso condenar porque, ainda que fosse juíza, não condenaria um ataque, condenaria quem o leva a cabo. E aos que usam a violência física para contestar palavras condenaria a trabalhos forçados - forçá-los-ia a trabalhar em silêncio. A viver em silêncio, até à eternidade ou até perceberem a liberdade de expressão, o que acontecesse primeiro.
Mas não sou juíza, apenas os posso condenar ao silêncio no mundo que domino: as minhas palavras, a minha casa, os meus blogues. Não serão mencionados depois de classificados pelo acto cometido: este foi vil, eles, além de vilões e terroristas, foram imbecis. Como são todos os que recorrem à pedra contra a palavra.
E apenas posso classificar de grotesco o discurso dos defensores da liberdade de expressão que, tolerantes às piadas, dizem ser fácil gozar com a cristandade - ser fácil e ser de cobarde, pois de gente forte e sem papas na língua é gozar com o islamismo! E relembram e comparam o drama do Charlie Hebdo, claro.
Tal abordagem revela um profundo desconhecimento da obra dos agredidos - tanto a trupe do Porta dos Fundos como a do Charlie Hebdo (como a dos nossos Gato Fedorento, aproveito para relembrar) têm rábulas e artigos com Jesus, Deus, Maomet, Alá... sei lá se não, até, com Buda e Hare Krishna! Mas no embalo da crítica, as assumpções são quase naturais aos desaçaimados discursadores - porventura quem normalmente os lê desconhecerá ainda mais.
Revela, também, desconhecimento ou desprezo por aquilo que rege a liberdade de expressão: o direito de escolher os temas. Porque em tal discurso denotam não perceber que o autor, o criador, fala sobre o que lhe apetece e não sobre o que aos comentadores daria jeito ou gosto. Nem se apercebem, ou fingirão que não sabem, que questionar tal direito é, já de si, uma tentativa de condicionamento da liberdade de expressão que dizem defender. É um mas tão claro como outro mas qualquer.
Depois, revela-se-lhes o preconceito entrelaçado na defendida tolerância. Assumem que, ao ironizar-se com o Islão, se convoca a fúria dos islâmicos mas que, ao ironizar-se com o Cristianismo, os cristãos acham piada ou, numa prova de suprema abnegação, sentem-se mas não se ressentem. Talvez o assumam porque imbuídos de uma extraordinária fé, que não será de S. Tomé! São Tomé seria ateu, pois olhando ao redor nada encontraria que atestasse serem os cristãos gente da paz e do amor... mas eles, os tais opinadores, não, eles crêem! Não há História nem histórias que os demova da crença de serem os cristãos gente amorosa e pacífica apenas pelo facto de, puramente, aceitarem um Cristo. E a suprema anedota: defenderem a tolerância, a diferença, dizendo nas entrelinhas que ser cristão ou ser islâmico define os indivíduos e os arrebanha por iguais.
Não desculpam o acto de terrorismo contra o Porta dos Fundos, atenção! Mas o outro, o do Charlie, esse é que foi terrorismo, neste talvez nem tivessem intenção de fazer mal a uns cobardes que apenas falam mal da cristandade por temerem pela própria porta dos fundos... Grotescos.
A tolerância parece-me perigosa quando guiada pelo preconceito e pelo desconhecimento.
E mais não digo por ser natal...
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