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O dia em que farei 50 anos

por Sarin, em 03.08.19

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Não sei como será. Provavelmente terei de fazer uma festa, e emprego o verbo "Ter de" em plena consciência.

 

Em menina o meu aniversário era motivo de alegria, não apenas por reunir família e amigos mas porque a cada ano me sentia mais crescida, mais velha, mais capaz. Claro que a expectativa da reunião pesava, e eu ficava muito compenetrada no meu papel de anfitriã durante a preparação da festa e das brincadeiras... e até à chegada do primeiro convidado, cuja presença me fazia esquecer a data e qualquer protagonismo. O dia do meu aniversário era-me verdadeiramente importante, tantos amigos em casa!

Não, não me interpretem mal: fui uma criança feliz, mesmo tendo amadurecido muito cedo. Mas vivia numa ponta distante da aldeia, onde as crianças eram poucas, tinham pelo menos mais 4 anos do que eu e eram rapazes. As minhas brincadeiras eram livros e lutas,  dança e futebol, baralhos de cartas e espadas de madeira...

 

Com o final da adolescência o dia começou a perder valor, os meus valores solidamente formados e os meus princípios bem definidos a dizerem-me que a vida se constrói todos os dias - então, onde a lógica de celebrar como astro um acto que foi da minha mãe? Ela sim, foi a estrela desse dia, eu limitei-me a aparecer. Questionei-me o porquê de tal celebração, não lhe encontrei grande significado, fui deixando cair.

O 'meu dia' terá também perdido valor por conta da dificuldade em reunir os amigos à mesa, presos no estereótipo do Dia dos Namorados. Desde menina apenas aceitei festejos adiados pela distância, e a partir do dia em que a autonomia nos permitiu reuniões ao sabor da vontade, celebrar o estarmos juntos tornou-se muito mas muito mais importante do que celebrar o porquê. A carta e a autonomia trouxeram a desnecessidade de pretexto, e este passou a ser o estarmos vivos e gostarmos de estar connosco, as velas sendo trocadas por brindes num qualquer dia que apetecesse - e foram muitos, se traduzidos em aniversários 10 vidas não chegariam para as velas que brindei. Embora a família mais próxima nunca me tenha permitido abdicar das velas no dia do meu aniversário.

 

Muito nova aprendi que a vida vale pelo ontem e pelo hoje, e tenho consciência de que semprei dediquei mais energia ao presente e ao futuro dos outros do que ao meu. Percebi-o aos 20, notei-os aos 30 e aos 40, suponho que não mudarei muito aos 50 que já espreitam. 

Os meus valores e princípios cedo ganharam forma, mas nunca os considerei estanques, nunca deixei de os questionar, nunca me fechei a novos valores a novas ideias a novos hábitos. Ainda assim, não noto grandes mudanças. Mas ganhei maturidade na defesa das minhas bandeiras, tornei-me mais serena nas minhas paixões... e se criança  percebi que o mundo tem velocidades diferentes, demorei um pouco mais a perceber-lhes as causas. Não acredito que aos 50 as terei aceitado todas - e se nada me mudar a personalidade, aos 94 direi o mesmo a propósito do meu centenário.

O meu corpo mudou, e mudará ainda mais. A preocupação com a aparência manteve-se, desejo mudar esta minha forma de estar - espero aos 50 dizer que me preocupo mais com a aparência do que preocupava aos 25. Talvez porque os amores, profundos, nunca tenham dependido do corpo o meu corpo me tenha sido, ainda seja, tão indiferente. 

Penso que fiquei um pouco egoísta, pelo menos já não me sinto indelicada quando recuso alguns convites. Que sempre preferi um não claro a um talvez comprometido, mas se antes pensava que o importante numa reunião é o conversar, o dar atenção, tenho aprendido que há muitas outras perspectivas sobre esta questão.

E é por isso que suponho que terei de fazer uma festa nos meus 50 anos. Porque sei que prefiro um jantar num dia qualquer com cada pequeno núcleo, já que numa festa não posso dedicar tanta atenção a cada um. Mas também sei que conciliar disponibilidades não é fácil e, principalmente, sei que cada um desses núcleos não vai querer a minha atenção, apenas vai querer estar presente e dizer olá por entender ser-me um dia importante. Porque as pessoas também se dão assim, também nos damos assim, e há pessoas que merecem esses  olás que sabem a pouco.

Finalmente, e se por mais não for, lá terei de fazer uma festa ou a minha Sobrinha não me perdoará.

 

 

imsilva, este é O postal. o outro era brincadeira.

 

imagem recolhida da Revista Estante

mafalda acompanha-me desde a celebração da minha primeira década; como poderia faltar no meu quinquagésimo aniversário?!

[Cuidemos de todos cuidando de nós: Etiqueta respiratória. Higiene. Distância física. Calma. Senso. Civismo.]
[há dias de muita inspiração. outros que não. nada como espreitar também os postais anteriores]

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lançado às 21:06

Onde ideias-desabafos podem nascer e morrer. Ou apenas ganhar bolor.


Obrigada por estar aqui.



1 comentário

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De /i. a 04.08.2019 às 16:12

 Quem manda nascer no dia de São Valentim? 



Bela prosa. 

[a palavra a quem a quer]:

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