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Ontem comecei um postal sobre os coletes amarelos e a manifestação de que se falava para hoje.
Por motivos familiares ficou-me a meio, entre o aniversário do quase centenário avô e o pedido de atenção da princesa-saltimbanco que é a patanisca minha sobrinha.
Propunha-me desmontar as reivindicações dos nossos coletes amarelos, uma lista onde constavam 8 pontos subdivididos em pequenos apontamentos reivindicativos. Estava até bastante entusiasmada, porque logo no primeiro ponto do manifesto do MCAP (Movimento Coletes Amarelos Portugueses) a coisa prometia... entretanto atrasei-me interromperam-me a noite caiu, e o dia 21 chegou antes de eu conseguir acabar o postal. Mas tinha já avançado tanto que era uma pena não o finalizar... mesmo que apenas depois de acabada a manifestação que não chegou a ser.
E deixo previamente o lamento por eventuais discordâncias nos tempos verbais; não fui rever o trabalho feito, e o que estava incompleto segue incompleto porque, para o caso, já é indiferente. Depois não digam que não avisei.
Enfim, cá vai a análise à carta do “Nós” somos o MCAP, Movimento de coletes Amarelos Portugal - e escalpelado como se impunha ontem e não hoje mas talvez amanhã outra vez.
"1. REDUÇÃO DAS TAXAS E IMPOSTOS
Redução do IVA/IRC e concessão de incentivos, fiscais e outros, para as micro e pequenas empresas poderem pagar, com a correspondente taxação às grandes empresas e multinacionais, com base na sua margem de lucro;
Fim do imposto sobre produtos petrolíferos e redução para metade do IVA sobre combustíveis e gás natural;
Redução das taxas sobre a eletricidade, com incidência sobre as taxas de áudio-visual e de emissão de dióxido de carbono;"
Portanto, a proposta passa por adequar o IVA e o IRC aos rendimentos das micro e pequenas empresas:
a) O valor acrescentado deixa de ser atribuído ao produto mas antes ao produtor - e não se corre o risco de o IVA deixar de ser imposto e passar a ser qualificativo? Que a mim pouco me importa porque entendo ser o valor acrescentado pelo uso dado e não por tabela fiscal, mas adiante; Se o IRC passar a ser definido em função do RC... mas, eperem, isso não é o que se faz já?! que raio pretendem??
b) Porquê metade do IVA? Consideram o gás e os combustíveis bens nem essenciais nem não essenciais, mas uma coisa assim-assim? Que lógica tem este "metade"?
c) São contra a taxa de CO2, contra o CO2 ou apenas contra o facto de ser taxa sobre a electricidade?
"2. AUMENTO DO SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL (SMN)
Aumento imediato do salário mínimo para € 700,00 (setecentos euros), bastando, para o efeito, proceder ao corte nas pensões acima de € 2000,00 (dois mil euros);"
a) Contas de merceeiro? Alguém fez tais contas? E se as fez... para quê?! - veja-se b)
b) Quem paga as pensões são os fundos de pensões e a segurança social; quem paga os salários são as empresas , incluindo as estatais. Como sugerem tal movimento financeiro? - os fundos transferem o remanescente para as empresas só porque sim, sorteando em cada mês as empresas beneficiárias, ou estas tornam-se associadas dos fundos até um limite estabelecido pelos respectivos fundos? Ou, antes, os fundos fazem aquisições nada hostis às empresas e assim podem pagar salários sem problemas porque passam a ser os próprios empregadores?!
"3. AUMENTO DO SUBSÍDIO DE DESEMPREGO
Aumento imediato do subsídio de desemprego, incluindo o período de duração/vigência, bastando, para o efeito, proceder ao corte nas pensões milionárias acima de € 5000,00 (cinco mil euros), que, obviamente, representam uma carga enorme para o contribuinte;"
Confesso que esta nem estaria mal pensada, mas levanta-me algumas questões: e aqueles que descontaram anos para terem tais pensões, trabalhando no privado? E aqueles que, trabalhando no Estado, auferem tais pensões por prestação de serviços técnicos especializados durante muios e bons anos? Por outro lado, como ficam aqueles que não têm nenhuma pensão acima desse valor mas acumulam várias pensões e subvenções que, somadas, ultrapassam largamente o dobro desse valor?!
"4. AUMENTO DAS PENSÕES E REFORMAS/CESSAÇÃO DE IDADE MÍNIMA DE REFORMA
PARA A CLASSE POLÍTICA
Aumento imediato da pensão mínima para € 500,00 (quinhentos euros), bastando, para o efeito, proceder aos cortes/medidas acima referidos em 2. e 3. e no ponto abaixo;
Reforma para os políticos aos 66 anos de idade como, aliás, o restante dos portugueses, atento à premissa que "a política não é uma carreira;
Fim imediato/corte das subvenções vitalícias para políticos;"
a) Aumentos em valores absolutos são sempre questionáveis, e não o disse nos pontos anteriores mas aplica-se em qualquer um. São questionáveis porque eliminam a proporcionalidade, e é a proporcionalidade que nos permite fazer comparações e hierarquizar desde salários a funções. E Fico confusa: os cortes nas pensões acima dos 2000€ e nas pensões acima dos 5000€ darão mesmo para aumentar tudo o que propõem aumentar - salário mínimo para 700€, dos subsídios de desemprego (que são proprocionais aos salários auferidos...) e pensões mínimas para 500€? Não sei os números, mas pelo que leio há muito mais indivíduos a auferir estes três tipos de pensões, subsídios e salários do que dos outros... e depois, ninguém explica que cortes pedem: absolutos? proporcionais? absoluto acima dos tectos mencionados?
b) Porque ser deputado ou autarca ou governante não é uma carreira, em vez de falar em pensões e subvenções não seria melhor discutir esta coisa de afinal o que é ser político? E, depois, os funcionários do Estado são afastados aos 70 anos de vida (como se a esta idade perdessem toda a experiência e sabedoria acumuladas, e passassem a ser inúteis pesos mortos... isto numa sociedade envelhecida) - querer colocar esta malta a reformar-se aos 66 não é absurdo?
c) Subscrito na íntegra - a diferença é que, cf. se pode ver no ponto anterior, este pedido cai sem reflexão sobre esta coisa da "carreira política", resulta apenas de um sentimento.
"5. ADOÇÃO IMEDIATA DE MEDIDAS VISÍVEIS E EXPRESSAS DE COMBATE CONTRA A CORRUPÇÃO NO GOVERNO, NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (DIRETA E INDIRETA), NOS SERVIÇOS PÚBLICOS (CENTRAIS E DESCENTRALIZADOS), NO SETOR EMPRESARIAL (PÚBLICO E PRIVADO) E SETOR BANCÁRIO
Criação de um Código Penal mais rigoroso e investimento na criação de unidades especializadas independentes na prevenção e combate à corrupção, cujas consequências custam, todos os anos, € 18 000 000 000,00 (dezoito mil milhões de euros) aos contribuintes, um valor que daria, seguramente, para aprovisionar os cofres do Estado e promover a sua auto-sustentabilidade, não se tornando refém do sistema bancário internacional;
Reforma para os políticos aos 66 anos de idade como, aliás, o restante dos portugueses, atento à premissa que "a política não é uma carreira";
Redução para metade do número de deputados existentes na Assembleia da República, com adoção de sistemas biométricos/leitura ótica/etc para registo de assiduidade/presença no parlamento, e com vista a acabar com a questão das falsas presenças;
Averiguação imediata, sob escrutínio público, das falsas moradas dos deputados com a obrigação de reembolso, por aqueles que mentiram ou omitiram relativamente aos endereços disponibilizados, dos montantes abonados indevidamente de subsidio de transporte;
Acabar com as mordomias de toda a classe política portuguesa, sendo que a mesma, enquanto representante das aspirações do Povo Português, não deverá tratar este como sub alterne e com desrespeito óbvio, atento ao panorama atual e aos sucessivos escândalos conhecidos de todos;"
a) O código penal já existe. Concordo com a sua revisão, que passa por definir que tipo de penas defendemos: perpétua? cúmulo jurídico ilimitado? apostamos na penalização, na coima ou na reinserção? Enfim, há questões éticas e de direitos humanos a atender antes de se falar em código penal - independentemente da opinião, a verdade é que, e felizmente, estamos para cá de Pecos.
b) As unidades de combate à corrupção existem. O que não existe, talvez, é transparência nas relações entre as empresas e o Estado, os cidadãos e o Estado, os deputados e o Estado...
c) Reduzir os deputados da AR para metade... porque? Além de exigir revisão constitucional, há critérios para definir o numero de deputados, há círculos eleitorais, há método de Hondt... é assim? Cortamos para metade e logo se vê?
d) Gosto do sistema biométrico para controlo do pessoal, na AR ou em qualquer empresa. O problema é que esta exigência cai aqui aos trambolhões, pois os deputados fazem serviço externo - adiamos essa questão para quando se descobrir uma qualquer falcatrua nestes registos? Se assim for, basicamente estamos a dizer que o Povo, seja lá essa entidade quem for, exigirá alterações á medida que se descobrem as asneiras, assim numa espécie de navegação à vista. Basicamente, o mesmo que até aqui.
e) O caso das falsas moradas enquadra-se no que disse na alínea anterior... quando não se pensa global há esta tendência para legislar o pormenor - no caso, não será lesgislar mas exigir. O que confirma o que disse sobre navegar à vista...
f) Também concordo que se acabe com as mordomias da "classe política". Mas deixo as questões: Quais são essas mordomias? Serão todas inadequadas? E se não houver quaiquer regalias, quem quererá adiar a vida profissional para servir o Estado?
"6. REFORMA NO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE
O SNS não consegue, atualmente, prestar um serviço de qualidade, uma vez que é completamente manipulado pelos lobbies da indústria farmacêutica e da clínica privada, sendo que a ideia que é passada "as instituições de saúde do Estado, bem como os seus profissionais, prestam serviço para aliviar os sintomas de doença da população, não para curar pessoas...";
Acabar com a prática antagónica existente entre as necessidades do doente e os lucros da indústria farmacêutica, entre o valor de uso e o valor de troca dos medicamentos, face ao poder de compra dos Portugueses;
Impedir/prevenir o enriquecimento pessoal de políticos que servem os interesses da indústria farmacêutica;
Nota: O problema está profundamente enraizado no sistema económico global, que não
é mais moral para o medicamento do que é para o petróleo ou para a indústria
cosmética. O problema trata-se na obtenção de lucro com a doença ou a saúde das
pessoas, o que é profundamente imoral..."
Concordo, mas pergunto: e propostas? Cortamos nos subsídios às farmacêuticas? Criamos farmacêuticas do Estado? Proibimos a venda de tudo o que não seja o genérico mais barato? Proibimos os delegados de informação médica? E colocamos as ligações empresariais a farmacêuticas na lista dos impedimentos de elegibilidade para cargo político? Gosto desta última, mas acho estranho ser apenas as ligações a este tipo de indústria e não às de combustíveis, energia eléctrica, SAD desportivas, enfim, uma panóplia de empresas que... mas esperem, isso não está já previsto?!
"7. REVITALIZAÇÃO DOS SETORES PRIMÁRIO E SECUNDÁRIO, DESTRUÍDOS PELA INCOMPETÊNCIA DE SUCESSIVOS GOVERNOS
Sendo os setores primário e secundário importantes pilares da Nação, estes têm vindo a ser destruído por sucessivos governos incompetentes;
Relativamente ao setor primário, e pese embora o mesmo depender muito dos fenómenos da natureza como, por exemplo, do clima (tornando-se, por isso, vulnerável) deverão ser criadas condições, para que a produção e exportação das matérias primas passem a ter um valor agregado, como ocorre, por exemplo, com os produtos industrializados, com o devido controle da qualidade de produção, através da exploração de verdadeiros recursos da natureza (ex.: as minas de ouro de Campos de Jales, em Trás-os-Montes, foram encerradas porquê?). Podemos citar como exemplos de atividades económicas do setor primário: agricultura, mineração, pesca, pecuária, extração vegetal e a caça. É o setor primário que fornece toda a matéria-prima para a indústria de transformação; Sendo que o setor secundário é o setor da economia que transforma as matérias-primas (produzidas pelo setor primário) em produtos industrializados (roupas, máquinas, automóveis, alimentos industrializados, eletrónicos, casas, etc.), e uma vez que existem conhecimentos tecnológicos agregados aos produtos do setor secundário, o lucro obtido na comercialização poderá ser significativo para o nosso País. Países com um bom grau de desenvolvimento possuem uma significativa base económica concentrada no setor secundário. A exportação destes produtos também poderá gerar riqueza para a indústria nacional."
Caramba, isto quase parece tirado de um livro de meio físico e social... e propostas?! É que os sectores não foram só destruídos pelos muito bem indicados Governos sucessivos, foram também destruídos pelos donos que confundem ser dono com ser patrão e com perceber da poda; foram destruídos por estes e pelos outros que, não estando assim tão confundidos, destruíram a vontade dos seus trabalhadores pelas exigências absurdas e pelas remunerações vergonhosas; foram destruídos pelos trabalhadores que exigiram direitos e se esqueceram dos deveres; e foram destruídos por aquela coisa horrorosa que se chama Lei de Mercado - decidam-se, são liberais ou são proteccionistas?!
"8. Direito à habitação e fim da crise imobiliária
Acabar com a especulação imobiliária que retira qualquer tipo de poder de compra ao comum cidadão;
Reverter os imóveis penhorados pela banca a famílias com rendimentos abaixo dos 10.000,00 ano (dez mil euros por ano)"
a) Soa-me bem acabar com as crises através de manifestações. Chamo a atenção dos economistas para este mecanismo de equilíbrio, que apenas me prova que após a roda todas as questões complexas têm afinal soluções extremamente simples... Acabar com a especulação todos queremos, mas como? O como é que é giro debater, meus caros!
b) Penso que a maioria dos imóveis assim penhorados já terão sido maioritariamente revertidos em dinheiro sonante, vendidos ao desbarato porque a banca quer entrada de dinheiro e não saída de IMI. Mas o que me preocupa é, de novo, esta questão dos valores absolutos e aleatórios... 10.000€? No último ano ou nos últimos 3 anos ou... e se uma desgraçada família tiver o azar de se enganar e declarar a venda de mais um saco de batatas e o rendimento der 10.013€, tem direito a apelar?
Enfim, o manifesto era afinal extremamente difícil de perceber, no meio de todo o populismo das respostas fáceis e das exigências abrangentes que, espremidas, revelam a sua imaturidade. Legítimas, todas as insatisfações - mas completamente à margem do exercício cívico, o que bastante me entristece. Porque exigir não basta, há que perceber o que se exige - e, nitidamente, ninguém está numa onda de auto-avaliação... continuo a ler que chegámos aqui por causa dos políticos, não tivemos nem culpa nem responsabilidade. Somos uns santos...
Mas nem tudo é mau! Houve quem resumisse o movimento baseando-se nas frases mais significativas dos seus apoiantes, facultando assim uma noção bem detalhada das exigências deste movimento espontâneo convocado há umas semanas, pertinente porque a acompanhar a vaga francesa e original porque... enfim, é ler desde o início.
Devo acrescentar que, apesar de tudo, senti forte solidariedade para com o cidadão que se preocupava com os cuidados de saúde, a violência policial e a Justiça, e cujas palavras de ordem não posso deixar de transcrever: "Quero deixar um alerta importante dirigido ao governo, psp e gnr. Pensem nisto antes de agir srs! Atenção!!!!!!! Muitos de nós temos várias intervenções cirúrgicas no corpo, tendo no meu caso próteses metálicas de grande extensão implantadas, aos olhos das pessoas ninguém percebe que somos reformados por invalidez, porque a roupa cobre as maselas. SE FOR CARREGADO PELAS AUTORIDADES, PODEREI FICAR TETRAPLÉGICO. SE TAL ACONTECER PODEM CONTAR QUE APONTO EM PRIMEIRO CULPA PELAS CONSEQUÊNCIAS AO GOVERNO! Levarei o caso até as últimas consequências..."
A pertinácia destas exigências levou-me a perceber que há sempre vantagens em saber com o que se pode contar. O Governo, a PSP e a GNR que se ponham a pau com estes reformados, inválidos para o trabalho mas não para afrontarem uma ou duas cargas policiais e a demanda judicial que se lhes seguirá...não foi desta, na próxima será!
*** *** ***
E, entretanto, verificou-se que...
... ou em Portugal nos baldamos para a lei dos coletes amarelos e a malta não apareceu por não ter colete...
... ou os observadores políticos da actualidade não percebem um caroço do que andam a fazer...
... ou a comunicação social faz destas por ser mais fácil inventar do que investigar e relatar...
... ou então os amarelos que deram mais de 40.000 likes no Facebook e mais de 15.000 seguidores no Whatsapp compareceram em força metidos no bolso dos coletes dos perfis falsos que usam.
E nem tentem convencer-me de que, perante esta loucura de coletes amarelos, alarmistas, incitadores e indolentes, o absentismo às urnas a que tantos insistem em chamar abstenção é a manifestação de descrença no sistema político... Não passa de inércia pura, que nem sequer permite à generalidade do cidadão preocupar-se com respostas. Que não se preocupa com as exigências, ficou patente.
(A imagem foi retirada da internet. Google, imagens.)
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