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(fonte da imagem aqui)
A procuradora corajosa que tantos queriam reconduzir, e que se recusou pronunciar-se sobre a possibilidade da sua recondução, escolheu o dia da passagem de pasta para dizer que a Constituição da República prevê a renovação do mandato do chefe do Ministério Público. Apesar de concordar com a não recondução, a CR e a lei prevêem dois mandatos, sublinha - e cada um entenda como quiser.
Pode Joana Marques Vidal ter toda a razão, e claro que tem direito a divulgar a sua opinião; mas teve meses para o dizer e fazer. Porque não o disse antes e acabou com os muitos rumores bipolarizados sobre a matéria? Talvez para evitar que lhe associassem o esclarecimento a uma demonstração pública de vontade em ser reconduzida? Se assim for, aplaudo-lhe a contenção e o cuidado em evitar inquinar o processo - mas, então, o que aconteceu a tal contenção e a tal cuidado que a levaram a mandar as boas intenções às urtigas e a opinar hoje? Logo hoje, dia em que abandona o cargo e a sua sucessora toma posse?
Legitima-se a pergunta: sabendo-se que quem mais defendeu a sua recondução foram os apoiantes de Passos Coelho, que a indicou, e que Lucília Gago foi indicada por Costa, não terá sido esta uma forma intencional de politizar a questão? Bastava ter dito antes "concordo com a não recondução embora a lei a permita", e as vozes ter-se-iam silenciado em respeito ou morrido por falta de polémica. Mas pelo contrário.
Fazendo uma breve análise ao seu mandato,
Fez história por ter tido a coragem e a determinação de afrontar poderes instituídos e assim ter provado que ninguém está acima da Justiça; é esta uma vitória da Democracia cuja responsabilidade ninguém lhe poderá negar e que acredito esteja na base das reivindicações de recondução;
Abundaram os super-casos, que embrulharam a justiça durante muito tempo e continuarão a embrulhar - há mesmo quem defende serem tais casos impossíveis de julgar dada a complexidade das interligações e que mais valia terem sido construídos casos menores; os sucessivos adiamentos e rebentamento de tudo o que eram prazos parecem dar-lhes razão; oxalá o futuro prove que não foi um erro, pois é fundamental que estes casos sejam devida e claramente julgados, por uma questão de higiene - e porque, já que de mandatos se fala, se forem estes mega-processos um erro, este recairá nas costas da actual PGR e não na de quem os instruiu;
Existiram processos de corrupção envolvendo ministros em funções que foram arquivados por expiração de prazo - justificados aparentemente pelas diligências com os casos de corrupção posteriores; supunha que na justiça se usava também a regra FIFO - First IN, First Out (o primeiro a entrar é o primeiro a sair) ou que, pelo menos, não se largavam processos de submarinos que lá fora dão condenações só porque cá dentro surgem outros processos envolvendo um ex-primeiro-ministro;
Existiu um processo envolvendo ministro e primeiro-ministro em funções que por cá não foi considerado crime mas na Europa quem de direito diz que sim, que foi, e que compete ao MP português diligenciar a acusação, o que obrigou a uma tímida e silenciosa reabertura do processo;
Existiram acusações a um clube desportivo que quem de direito na Europa diz não configurarem crime mas que por cá insistem em processar como tal; existiu até a criação de super-equipas para desvendar casos desportivos que aparentemente se mantêm nas mãos de quem os começou por investigar;
Existiram processos por quebras do segredo de justiça mas as diárias quebras de segredo de justiça ecoaram e ecoam pelos jornais e redes sociais em total impunidade, do desporto à política, das empresas às famílias;
Existiu uma tentativa de colocar a PJ sob a alçada directa de quem avalia as suas investigações e as arquiva ou dá seguimento, o que levanta algumas dúvidas sobre a isenção da investigação e análise de tais matérias;
Existiu uma não recondução que gerou muita celeuma, até fricção, pela bipolarização (bipartidarização?) da questão, e sobre a qual se escusou a responder directamente quando o podia ter feito, quiçá devia ter feito, evitando assim questões sobre a transparência dos motivos de cada um.
E foi isto.
Foi melhor que os antecessores? Muito melhor! Perante a inércia, qualquer movimento é bom, e JMV teve muitos movimentos que não apenas combateram a inércia mas que foram no sentido correcto, o da Justiça.
Tem as virtudes que lhe atribuem? JMV teve bastantes movimentos aparentemente em falso e nunca se explicou por nenhum.
E depois de se ter escusado a comentar a questão da sua recondução durante todos estes meses, entendeu que o melhor dia para o fazer seria exactamente aquele em que a sua sucessora toma posse.
Ainda bem que é considerada pessoa isenta e corajosa ou poder-se-ia considerar este um belo presente cobardemente envenado.
Adenda às 14h30
Li agora as palavras de Rui Rio sobre Joana Marques Vidal. Substancialmente diferentes das dos passistas.
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