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Hoje só quero isto.

por Sarin, em 23.03.20

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Não me apetece ler textos motivadores, não tenho riso para as piadas, não me interessa saber como vai a vossa vida dentro de quatro paredes. Hoje não quero saber do quotidiano para nada!

 

Porque ontem ouvi Bolsonaro desautorizar os Governos Estaduais e dizer que os centros comerciais e as escolas e os parques só fecharão quando o Governo Federal decidir. E o Governo Federal está a levar a COVID19 como leva todas as outras matérias: com o samba no pé e o Credo na boca. Literalmente, o Credo na boca, que o Messias crê que os pastores são os mais sábios no  orientar os seus rebanhos. E nos EUA iria parecido, mas vão arrepiando caminho, uma no cravo e outra na cavalgadura que é Trump. E pela Europa temos alguns que bem os tentam igualar, e oxalá as gentes que os defendem abram os olhos e percebam o calibre de tais milagreiros.

Porque ontem ouvi um padre português dizer que não podia nem iria deixar os fiéis sem missa, depois de a Conferência Episcopal Portuguesa ter suspendido as missas com fiéis e o Papa Francisco ter vedado a Praça de São Pedro às celebrações da Páscoa. E não me espanta que com tais catequistas cada um faça o que lhe apetece, como na Póvoa do Varzim, onde as gentes passeavam como se Primavera em 2019, as autoridades de segurança a meterem-lhes o calendário e os números dos infectados pelos olhos dentro tendo bem mais o que fazer.

Porque ontem ouvi o responsável por uma empresa de floricultura, das 5 grandes que há no Algarve, lamentar a perda total da produção que se avizinha, estufas enormes que exportavam tudo quanto produziam. E lembrei-me que quase somos auto-suficientes na produção de batata, com uns redondos 70% contra menos de metade de quase tudo o resto.

Porque ontem ouvi e continuei a ouvir a inércia de uma União que ainda recentemente chamei Comunidade Económica, e que hoje já nem isso. E, agora, que cada Estado-Membro faça o que quiser e no fim veremos o que sobra.

 

Porque ontem vi, todos vemos, todos os dias, os números da COVID19, e desculpem que vos pergunte: se é com palavras bonitas e desenhos fofinhos que esperamos ultrapassar esta crise, para que raio haveremos de a ultrapassar pois se iremos cair no mesmo?

Não me entendam mal, por favor: é fundamental manter a sanidade mental, e todos teremos os nossos mantras, entre desenhos e palavras e sei lá. Mas se há altura em que nós, os que agora estamos em casa, nada podemos fazer além de inventar uma nova normalidade, é esta. Nada podemos fazer, mas muito podemos pensar. Podemos ler. Podemos discutir. Podemos reprogramar-nos e podemos preparar o que queremos exigir - enquanto indivíduos, enquanto cidadãos, enquanto sociedade. Nunca o tempo esteve tanto a nosso favor.

 

Por isso, não, hoje não me apetece mesmo nada saber como está a correr a vossa vida entre o quarto e a cozinha nem quero saber quantas tranças conseguem fazer em cada perna ou o que disse alguém muito citado sobre qualquer coisa muito íntima e muito genérica. Hoje quero saber quantos de vós estarão a perguntar-se o que terão feito pelo SNS e pelas empresas de sectores estratégicos, como energia e telecomunicações, os deputados em quem votaram. Ou porque terei falado nestes sectores e não noutros. Ou que pensem porque nem votar foram, agora que sentimos na pele o que são as políticas estruturais. Sentimos na pele, não apenas na carteira, e sentir na pele belisca mais. Quero saber quantos de vós se interrogam o porquê de termos tanta empresa dedicada ao Turismo e tão pouca dedicada à produção alimentar, e quero que indaguem, que leiam, que tentem seguir as políticas que têm sido definidas onde e por quem, e quero que pensem nas implicações das nossas decisões e indecisões na hora de votar, de exigir, de facilitar.

Hoje só quero isto. Querer não custa, não é?

Boa continuação.

imagem de WILMARX

[Cuidemos de todos cuidando de nós: Etiqueta respiratória. Higiene. Distância física. Calma. Senso. Civismo.]
[há dias de muita inspiração. outros que não. nada como espreitar também os postais anteriores]

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lançado às 17:50

Onde ideias-desabafos podem nascer e morrer. Ou apenas ganhar bolor.


Obrigada por estar aqui.



16 comentários

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De João Silva a 24.03.2020 às 09:39

Percebo perfeitamente. Pois eu, fartinho até às pontas de romantismos FDP e de filosofias e o diabo a quatro, não quero saber de mais nada disto. Enquanto houver palhaços a furar tudo é achar que "são só dois minutinhos" e que o bicho não pega. Estou-me nas tintas para o país e para as teorias da conspiração. E sabes porquê? Porque tive a atitude responsável de me manter em casa desde o início de esta merda e de não sair. Só fui uma vez à rua, a uma consulta com a minha esposa. E sabes o que ganhei? Nada. À conta dos FDP irresponsáveis que andam para aí e por aí e das teorias de chacha de como isto vai mudar a nossa relação com o planeta, recebi a notícia da maternidade a informar que não poderei ver o nascimento do meu filho quando assim chegar o momento, que não poderei ajudar a minha mulher, que nem sequer os poderei ver após o parto, só quando os for buscar. E tudo isto contra a indicação da OMS. Portanto, estou farto de irresponsabilidade. Resta-me pensar nos meus, porque se adivinham tempos mais complicados. 
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De Sarin a 26.03.2020 às 17:49

Tenho muita pena, João. Não imagino como será doloroso, depois de meses de preparação, terem agora um parto assim apartados. Infelizmente, é o tempo que vivemos, e tal separação pretende prevenir infecções várias - os recursos são tão escassos que uma pequena complicação neonatal, ordinária e que noutras alturas seria rápida e eficazmente solucionada, neste momento pode significar recursos que não estão disponíveis. Muito triste, João, e oxalá seja curto o espaço de tempo entre a entrada na sala e tu pegares o teu filho.


Os irresponsáveis... já eram, não ficaram agora do nada. Por isso ser importante pensarmos como os evitar no futuro.
Beijocas, espero e desejo que tudo corra bem convosco e que o crianço faça uma entrada triunfal!

[a palavra a quem a quer]




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