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cabeçalho sobre foto de Erika Zolli
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Em conversa vespertina com uma bloguista amiga, dizia-lhe que provavelmente seríamos ambas mulheres de pés grandes pois passamos a vida a tropeçar em perfis fantasmas - aqueles perfis que hoje são um e amanhã são outro e em cada dia se fingem, se omitem, se escondem em novos blogues, privados ou eliminados os anteriores, quais rei morto e rei posto. Perfis surgidos para dar largas a obsessões, para satisfazer impulsos, para liquefazer fígados? Por mim, estaria tudo bem pois a cada um a sua diversão - se, no caminho, não contaminassem os mais incautos. Mais incautos porque mais puros, porque mais doces, porque mais gentis - incapazes de aceitar que, até aqui, surjam monstros no nosso caminho.
Porque, aqui, somos uma comunidade de blogs com gente dentro. Gente que acolhe quem chega, gente que visita e apoia os aqui vizinhos, gente que se partilha de variadíssimas formas, gente que normalmente sabe estar. E que, repentinamente, se vê envolta em tentativas de intriga. Em falsas simpatias. Em falsas doenças. Em falsos suicídios. Em verdadeiras ofensas. Em reais ataques. Gente que, com as palavras, abre os braços e abre o peito - onde as cascavéis acabarão por cuspir o seu veneno. Gente que sai desconfiada, debilitada, fraca destes nefandos encontros.
Perante estas misérias que, ocasionalmente, nos infectam o charco, disse-me um bloguista que muito prezo serem tais criaturas gente sem gente dentro. Não poderia haver melhor definição.
Duas outras queridíssimas bloguistas tropeçaram há horas nas mesmas criaturas e disso me alertaram, para minha confusão pois supunha ter-lhes falado da ressurreição destes lázaros de pacote. Percebemos que, se pouco nos espanta realmente neste mundo, a sobrevivência destas malsãs quase-baratas continua a ser-nos um fantástico mistério!
Porque só pode ser quase-barata quem dos dejectos faz alimento, quem na putrefacção se banha, quem com o fétido se perfuma! Mas se as baratas se fingem de mortas quando apanhadas, as quase-baratas estrebucham, e é essa a derradeira diferença: na sua vaidade de casca grossa não se apercebem das semelhanças entre os seus alter ego e ainda se tentam fingir alheias a tais criações, acabando esmagadas entre o seu id e o seu superego.
Intróito feito, passemos aos factos.
Numa noite de Agosto, em que a actualização e limpeza de computadores não me permitiam afastar os olhos dos ecrãs, tropecei num blogue que inicialmente me atraiu por falar em sociedade e tolerância. Fui lendo, fui comentando, cada vez mais incomodada com a transformação da preocupação com a sociedade e do espírito humanista em ofensas a pessoas específicas e em moralização - mas uma moralização muito particular, que rapidamente notei idêntica à de algumas personagens Orwellianas. Por exemplo, se num postal se dizia sofredor por esta sociedade intolerante, num outro identificava pelo nome uma bloguista aqui da comunidade dizendo-a narcisista e vociferando que tal pessoa não devia ter filhos pois que se manifestara orgulhosa da posição tomada pelo rebento, menor de 10 anos, contra as touradas, enquanto num terceiro postal chamava, e cito, "pedaço de merda" ao padre que tirou fotos em cuecas e assumiu ter e manter actividade sexual com mulheres. A frequência dos meus comentários foi-se tornando inversamente proporcional à inconsistência, à vaidade e ao ódio que fui encontrando nos postais de que acabei por desistir.
No dia seguinte o autor de tais desabafos de um desconhecido respondeu aos meus comentários, a alguns mais do que uma vez. Tendo-lhe ignorado quase todas as respostas, apenas rebatendo uma ou outra porque demasiado absurda, perante a insistência acabei por responder que, como poderia perceber pelos meus mais recentes comentários, eu não teria grande interesse nem em manter as conversas nem em voltar a tal blogue - e instada a explicar porquê, achei que o autor merecia a verdade: descria da veracidade das suas trágicas histórias pessoais, lamentava a sua falta de consistência e abominava o crescendo de intolerância manifestado num blogue cujos postais iniciais apelavam a uma sociedade tolerante.
O autor resolveu apagar os meus comentários, tornar privados vários dos postais onde o havia questionado pelas verrina, intolerância e incongruência, e publicar um postal. Onde se lamentava como pobre alma que usava o blogue para desabafar, sem qualquer intenção de ser lido e muito menos comentado [apesar de se dirigir directamente ao leitor] e que, insuspeitada inusitada e injustamente se vira vilipendiado por um ser abjecto que nada melhor arranjou para fazer do que "espreitar-lhe pela janela" (textual!) e provocá-lo com "muitos comentários". Percebe-se a manobra de elisão - se analisados os tais "muitos comentários", ver-se-ia que foram menos de um comentário por cada um dos primeiros postais lidos, e que as provocações estariam nas suas respostas. Não me quis chatear - tenho uma certa facilidade em ignorar quase-baratas. Desde que não contaminem muito.
Assim, publiquei um postal que, referindo-se a generalidades, pretendia também alertar para a turbulência causada por alguns autores. Se pelo meu postal, se por outro motivo, a verdade é que o autor não causou grande mal; ou, se causou, a nenhum li sobre tal.
Num dos vários postais lidos na tal madrugada, lamentava-se o autor por não ter podido ajudar uma namorada que só mais tarde soube ter sido violada em criança, cujo pedopsicólogo também a violara nas sessões onde usava "um tratamento secreto que não podes contar a ninguém". Carpia-se pela namorada que, mais tarde, se entregava aos homens em busca de amor-próprio, culpava-se inquieto por sentir que a violara de cada vez que com ela fizera amor, flagelava-se pois não soubera socorrer a pobre Raquel como esta merecia e, por tal, iria sentir-se mal o resto da vida - desejando no percurso fazer atrocidades monstruosas e sanguinárias a quem a havia violado, ao pedopsicólogo que a havia acompanhado e a todos os homens que dela haviam abusado.
Lido assim, isolado, seria uma história terrível que convocaria toda a empatia, toda a solidariedade, todo o apoio - mas eram tantos os postais relatando na primeira pessoa as dores pelos amigos violados, pelos amigos suicidas, pelos amigos criminosos, pelos amigos presos em vícios vários, que qualquer verosimilhança morria afogada no exagero. Nem comentei. Convém não esquecer que li todas estas histórias na mesma madrugada, o exagero e, acima de tudo, as inconsistências brilhando com uma energia que talvez não tivessem numa leitura espaçada pelos dias. Ou talvez sim, pois que a memória não me costuma ser fraca.
Na segunda-feira tropecei nesta mesma história ao visitar os Últimos posts. Pequenas alterações, um outro título - mas eis que surge publicada num blogue novo de dias. Coincidência? Para comparação, procurei o desabafos de um desconhecido e descobri-o desaparecido. O autor tinha o perfil privado. O autor do confissões também.
Li alguns dos postais destas confissões. Lá estavam os mesmos tópicos que nos desabafos.
Estranhei as intenções e o transvestismo, pois que a escrita, fruto talvez da liberdade criativa, tentava das histórias fazer casos recentes. E disso lhe dei parte: " Curiosamente, li esta mesmíssima história num outro blogue. Felicidades ao Autor, que aqui se transveste com outro perfil." Respondeu-me dizendo não saber a que me referia mas supondo-me feliz com o comentário. De tantas figuras de estilo possíveis, a ironia não seria aqui a mais aconselhada, por isso peguei-lhe no sentido literal das palavras e elucidei-o. Nada originalmente, apagou-me os comentários.
Mas antes de o fazer tirou fotografias, que usou para - tal como se numa repetição da cena - construir um postal queixando-se da minha agressão, da minha instabilidade e da minha necessidade de atenção .
Ah, a ironia e a incoerência! Tendo afirmado que me daria os meus 5 minutos de fama...
... publicou as fotos cortando o meu nome e a minha imagem.
Mas, bem-haja, não me votou ao total anonimato pois que me chamou troll.
E, após ponderação, editou o postal - para reiterar o epíteto. Dúvidas houvesse, foram elididas - tal como o meu nome e a minha imagem. Sou, definitivamente, troll.
Eu, troll, aqui me confesso culpada de tropeçar duas vezes na mesma quase-barata. E de ter muito prazer em a voltar a ignorar, agora que transvestida e afixada nas paredes deste burgo.
Da segunda criatura... Lao Tse falará com mais paciência do que a que tenho de momento..
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