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cabeçalho sobre foto de Erika Zolli
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Tenho andado a tentar perceber esta greve. Não percebo.
Durante anos não ouvi os motoristas manifestarem-se sobre condições de trabalho, sobre remunerações, sobre horários, sobre funções. Ouvi, ouvimos todos, queixarem-se do preço do combustível e das exigências de formação.
Não afirmo que não se tenham manifestado; mas não serei das mais desatentas, e a minha memória não costuma falhar-me tão rotundamente, portanto assumo que se mantiveram calados, a falar baixo ou a falar em círculos muito restritos. Poderão ter falado... Não chegou cá.
Os motoristas de pesados têm de ter formação específica, a que acresce mais formação específica para algumas substâncias; têm imposições legais quanto às horas de condução contínua; têm restrições à circulação em algumas cidades; dormem nas viaturas quando em transportes de longa distância; são responsáveis pela segurança dos produtos que transportam; são solicitados para as operações de carga e descarga; não encontram facilmente postos de descanso onde possam estacionar, tomar um duche, esticar as pernas; e certamente mais umas quantas questões que não me ocorrem.
Exigir remunerações proporcionais às condições de trabalho não apenas é legítimo como é fundamental - basta-nos pensar que ao fim de um dia de trabalho voltamos para casa enquanto muitos deles se afastam na continuação da viagem, a casa possível às costas.
Mas...
Porquê agora?
Porquê sair de uma mesa de negociações que começou este ano?
Ouvi o debate. Foi confrangedor. Da ANTRAM apenas perguntavam "Mas onde está a contra-proposta que o SIMM e o SNMMP ficaram de enviar? Qual foi o ponto que a ANTRAM recusou negociar? Porque vão entrar em greve e interromper as negociações sem entregarem aquilo que se comprometeram entregar, conforme consta na acta?" E as respostas eram, invariavelmente "A proposta foi entregue na reunião.", "Disseram que não era necessário enviar mais nada.", "De leis não percebo muito."
Durante anos andaram felizes a receber ajudas de custo, sobre as quais não pagam impostos. Alguns gabavam-se disso. Agora, só agora descobriram que as ajudas não contam para efeito de reforma e subsídio de doença? O que está mal contado nesta história?!
Os motoristas têm um porta-voz que é putativo candidato às legislativas. Que "não vai comentar esse assunto durante a greve" - talvez porque se a greve correr mal nunca teria sido intenção e se a greve correr bem terá uma excelente rampa de lançamento. Mas posso estar a ser injusta e Pardal Henriques apenas entenda que não se devem aclarar águas turvas.
A ANTRAM tem um porta-voz que é irmão de um adjunto de um Secretário de Estado. Eu diria que as coisas estão bem equilibradas para os assessores...
E, mais uma vez, parece-me que os trabalhadores estão a ser manipulados por interesses obscuros.
Entretanto, desde que comecei este postal, na sexta-feira, e até hoje, as posições extremaram e a greve é agora um nítido braço de ferro. Força desproporcional de todas as partes. Temo que ninguém saia vencedor. Lamentavelmente.
Espero que esta greve traga para a sociedade civil a discussão da Lei da Greve. Que a coloque nos programas políticos dos partidos nestas legislativas, que se definam regras adaptadas aos dias de hoje e que seja permitido aos sindicatos independentes fazerem greves sem manipulações nem suspeitas.
Espero que esta greve traga a discussão da necessidade de investimento nas grandes obras estruturais: rede ferroviária; ligações fluviais, marítimas, aéreas e ferroviárias; oleodutos. São urgentes e já vêm tarde. Onde um plano nacional?
Espero, ainda, que esta greve demonstre que o Estado não pode deixar de ter mão nos serviços energéticos.
É que os mais distraídos parecem não se aperceber que a greve nada tem a ver com o Governo mas com os privados. Sim, com os privados. Que normalmente reclamam da intervenção do Estado, que entendem abuso, mas que quando se sentem ameaçados acorrem ao bastião do Terreiro do Paço.
imagem de Chema Madoz
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