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cabeçalho sobre foto de Erika Zolli
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Vi o filme Dumbo teria os meus 4, 5 anos. Lembro-me da minha tristeza perante o desprezo que Dumbo sofreu às mãos de humanos e animais, recordo a revolta pela crueldade do director, revivo a sensação de injustiça por Dumbo ficar no circo que antes o havia desprezado. E a ternura, a imensa ternura entre Timóteo e Dumbo, entre Dumbo e a sua injustiçada mãe.
Dumbo ficou na minha lista de filmes preferidos, e ainda por lá está. Talvez também porque cedo preferi os de animais aos de princesas, mas certamente porque acordou uma diversidade de emoções que não recordo de outros filmes de infância. Dumbo e O Livro da Selva contribuíram para o meu desenvolvimento, para a minha percepção de justiça e injustiça, diferença e indiferença. Isso, e ter pais que respondiam às minhas perguntas, ter avós que me acompanhavam, ter uma família que me deixava sentir e pensar.
Agora Dumbo é censurado. Porque é racista, dizem. E quando digo censurado refiro-me não a veto de exibição mas a alteração, a cortes de edição. Censura pela própria marca que o lançou. Fascinante! Que se lhe seguirá, neste lavar da história que parece ter atoleimado atolado atirado para canto a inteligência dos responsáveis? Chegaremos a ver a Branca de Neve afro-descendente recusar a maçã por ser intolerante à frutose, ou a Gata Borralheira chefiar o sindicato das empregadas domésticas enquanto se enrosca em painéis solares porque energia limpa, chega-te para lá príncipe que agora não tenho tempo para ser frágil?
Não percebo se querem mudar a história, fazer história ou vender a história. [Quero dizer, percebo - mas achei que a frase tinha força...]
A Disney tem um negócio. Vive das vendas. Tem de agradar aos consumidores. Principalmente, tem de agradar aos grupos de pressão que determinam aquilo que querem os consumidores.
E os extremismos estão aí em todo o seu esplendor. Infiltram-se em todos os espaços vazios, até no oco das cabeças que não pensam. Porque a história são factos e interpretações; e se se podem alterar as interpretações, já os factos são intocáveis. E os factos mostram que os EUA da década de 40 eram racistas, que a Europa de 40 era racista. Portanto, qual o espanto com evidências de racismo em obras contemporâneas? Censurar filmes da época, vetar livros da época, é querer expurgar a história, a História, deixá-la bonita e agradável para não magoar. Prontinha a ser esquecida e repetida.
É muito mais fácil, limpo e inodoro eliminar o que ofende do que agarrar com ambas as mãos e enquadrar no tempo, mostrar o bom e o mau, deixar que a criança, que o indivíduo, sinta pergunte pense. Afofamos as histórias, amaciamos a História, só a contamos mais tarde em parte aos bocadinhos, desossados e mastigados para não engasgar...
Mas o algodão engana. E enquanto uns perdem tempo a reescrever o passado, outros há que aproveitam a borracha e vão tentando apagar-nos o futuro.
Nota: é provável que a imagem tenha direitos de autor. Da Disney, claro. Enfim, tenho um livro da minha idade que tem esta imagem mas não a frase "proibido copiar", se houver algum problema.
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