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[Tema #6 Escreve uma história romântica baseada no clássico "O Amor, uma cabana… e um frigorífico"]
O amor, uma cabana, as geladeiras e um frigorífico
Mergulhámos na Serra de Montejunto, o Outono caindo quente nas folhas como nós no chão, perdidos ambos de amor e riso. Buscávamos a Real Fábrica do Gelo, queríamos visitar onde nasciam blocos que enchiam geladeiras antes de Edison e de Tesla. Tropeçámos e rebolámos fora dos trilhos que nos haviam indicado, apenas o Tempo esperando por nós e mais ninguém.
Quando, inesperada, a chuva despiu as nuvens, procurámos abrigo onde despir as roupas leves de água pesando, onde aquecer os corpos húmidos das gotas e dos beijos. Encontrámos, entrámos numa velha cabana abandonada onde entraste em mim abandonando-nos ao calor e, mais calmos, rimos na palha que ali restava e restolhava sob os nossos suspiros ainda quentes. As alergias não tardam, disse, sorrindo. Gelarei o sangue se assim te as evitar, afirmaste, sabendo que sofreria feliz todas as asmas desde que tu comigo.
Sussurraste vendavais na minha pele, lá fora gotas ressoando enquanto me distraías com histórias frias. Lembro a última, a do homem que vai ao médico porque a esposa teima que ele não sabe dizer Frederico, contaste com voz grave. “Mas… o senhor diz Frederico muito bem!”, responde-lhe o médico, e tu sisudo, “a sua esposa ou é surda ou quer guerra!”, os teus lábios movendo sulcos na minha quase desatenção. “O médico disse que eu falo bem e que tu és uma chata”, disse o homem chegando a casa, “e se fazes favor abres o frederico e dás-me uma cerveja!” Eu ri, a gargalhada afundada no teu peito que cheirava a quente e a homem, ao meu homem. Ris-te com o corpo todo, afirmaste enquanto te encaixavas nas minhas pernas e nos rodavas. Quero ver-te sempre assim. Quero ter-te sempre assim. Fiquei sem ar sobre o teu peito, esquecida da palha da asma de tudo menos do amor nos olhos que me lambiam. Casa comigo. Cabana, que seja, mas comigo. Ri-me e amei-te nesse dia com a fome de uma vida passeada a dois.
Visitámos a Real Fábrica do Gelo várias vezes, mas não naquela.
Uma cabana, cinquenta anos e algumas casas depois, os meus olhos ainda humedecem no sol dos teus, as rugas das tuas mãos despertando brisas na minha pele cansada mas nunca de ti. E o meu corpo ainda riu inteiro na ternura com que há pouco venceste a artrose e de mão estendida me piscaste um Vou ao frederico buscar uma cerveja.
Nota de roda livre: a Língua Portuguesa apenas quer amor e uma cabana. Ao frigorífico o AO90, e até queimar.
Imagem: Healing Love Notes
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