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[Tema #4: A Beatriz disse que não. E agora?]
Beatriz disse que sim
Beatriz disse que não, e o adro fechou-se em miséria. Entreolhando-se, envergonharam ao peso da negação. Mas… não podes dizer que não! sussurraram os mais afoitos, alquebrados na certeza de a aldeia sofrer as consequências. E desta feita seriam terríveis!
Não era a primeira vez que Beatriz recusava a obrigação, mas como o homem lhe morrera ainda ela de azul, as migalhas de pão adornando-lhe os cabelos, até Martim, o calado e enorme ferreiro, dissera que seria por ela caso a obrigassem, os esponsais ainda a correrem e ela já viúva, como lho exigis?
Mas desta era diferente.
Recusado o cunhado que lhe quiseram impor como marido, meia aldeia revoltou-se ruminando a desgraça que duas recusas convocariam do Castelo. E Beatriz que viessem, que o azeite da lamparina arderia nela e no primeiro que a quisesse justiçar. Depois foi ao almocreve que a quiseram unir, talvez que para longe a leve, e ao infortúnio, os impostos mais pesados por ela desde o primeiro não. Mas também a este Beatriz se negou, as alcoviteiras chorando os trapos perdidos pela teimosa rapariga.
Foi, assim, no espanto de a Beatriz disse que sim! que a aldeia bebeu a gargalhada à entrada da missa, Martim tomando-a pela cinta e erguendo-a acima dos ombros, a esquiva Beatriz hasteada como santa por aquele gigante que sorria e a reclamava como esposa.
O casamento celebrou-se à pressa, do Castelo os sons dos cascos abeirando-se, os aldeões encolhendo-se para melhor verem os noivos, para melhor esconderem o frio de fim de tarde, fim de Setembro, fim, talvez, das suas provações.
Beatriz e Martim corriam o adro quando a roda de cinco cavaleiros os estacou, o Castelo exigindo o seu imposto. Não! atirou Beatriz. Os menos medrosos insistiram, Mas… não podes dizer que não!, o padre suplicando à Virgem que tivesse pena deles. Não! repetiu. A Beatriz disse que não, e agora? ribombou Martim, crescendo ainda mais com a sombra da noite e da espada que lhe gemia no punho, saís-nos da frente e deixais-nos passar, ou terei de rachar-vos ao meio?! O castelão e os cavaleiros a avançarem e Martim a rechaçar-lhes o crânio, Beatriz virgem empunhando a voz, Não! De mim não gozarás o direito de pernada!
O dia amanheceu-os muitas léguas depois, os rostos felizes e cansados, as saias azuis vermelhas a espaços – Beatriz dissera sim à liberdade de corpo inteiro.
Nota de roda-viva: O AO90 jurou-lhe amor eterno. A Beatriz disse que não. E agora? Esconda-se algures, desprezado...
Imagem: Vanilla Magazine
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