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Nunca percebi isto das raças humanas. Caucasóides, Negróides e Mongolóides sempre se esboroaram nas perguntas que fazia, nenhuma resposta antiga satisfazendo as minhas dúvidas.
Segundo o que li e continuo a ler, as classificações das raças humanas baseiam-se em questões anatómicas: o formato do crânio, do nariz, do maxilar, da testa... e não, abaixo do queixo não apresentam grande distinção, esqueçam lá isso.
A frenologia é uma pseudo-ciência, desvalorizada por praticamente todos os investigadores dado não apresentar sólidas evidências que relacionem a estrutura dos ossos do crânio com a personalidade do indivíduo; mas no século XIX tinha alguma validade e chegaram a consultar frenologistas em matéria de criminologia. Bom, eu penso que as teorias racialistas estão ao nível da frenologia.
Peguemos numa das que dizem ser distinções das raças: o formato do crânio. Os negróides têm crânio dolicocéfalo, mas alguns têm-no braquicéfalo; os mongolóides têm crânio braquicéfalo, mas alguns têm-no dolicocéfalo; e os caucasóides sem dúvida que o têm dolicocéfalo, mas nem todos porque os há braquicéfalos. Estes "alguns" e "nem todos" não são indivíduos aleatórios mas grupos de indivíduos originários de uma mesma região, a que atribuiram a classificação de sub-raças. Suponho que outras diferenças dentro das sub-raças definiriam sub-sub-raças, mas talvez aos investigadores racialistas não seja útil seguir por aqui, não vão descobrir sub-sub-raças negróides cujas características sejam iguais a sub-sub-raças caucasóides - é que perante tal nem os mais astutos se desembrulhariam e poderiam os dados acabar por autopsiar de vez uma teoria que, para esta leiga, se assemelha a uma fraude maior que o Homem de Piltdown.
Então, se um negróide pode ter as mesmas características que um caucasóide, como se define a raça? "Pela cor da pele." Ah, a cor da pele, essa barreira...
E, assim, cheguei aos dias de hoje acreditando não existirem raças humanas. E cada dia mais convicta. Até porque entre animais selvagens falamos de sub-espécies, raças reservamos unicamente para os animais domesticados. Raça é uma criação humana, não apenas o conceito, que esses são todos, mas a própria diferenciação anatómica tão cara aos criadores de puros-sangue de tantas espécies.
E lembremo-nos da escravatura, que vai muito além daquilo que os nossos lusos ancestrais fizeram e que deles não foi nem invenção nem exclusivo: escravatura é todo o acto de subjugar um indivíduo, domesticando-o e considerando-o propriedade. Numa época pós-iluminista em que barcos de expedição se cruzavam com barcos negreiros sem qualquer rebuço, seria natural, fácil e até politicamente relevante racificar a humanidade. E não confundamos raças com castas, por favor. Penso que ter uma base científica para justificar o tratamento desigual lhe seria, à sociedade ocidental, muito mais racional e adequado aos tempos dos grandes filósofos modernos - uma excelente justificação para costumes antigos e economicamente confortáveis.
Mas não, creio pelas evidências científicas que o homem se adaptou a quase todos os climas, e nisto seremos das poucas espécies conhecidas assim quase ubíquas, e com os diferentes climas surgiu a diferenciação na organização social dos indivíduos e na organização de algumas células do indivíduo (não valerá a pena falar desta questão, na escola falámos de hereditariedade e da teoria das espécies, e todos saberemos que os olhos e pele clara são típicos dos nórdicos e que a pele clara fica normalmente morena ao sol - excepto talvez a daqueles indivíduos que têm pouca melanina e muita pressa de a activarem, o que apenas lhes vale queimaduras de primeiro e segundo grau). Com a incursão dos povos noutros territórios, noutros povos, as características deixaram de estar concentradas em grupos homogéneos - globalizaram-se de acordo com a dominância genética em cada reprodução.
Vem esta longa introdução a propósito dos censos e daquela pergunta que o Grupo de Trabalho criado pelo Governo tinha recomendado ao Instituto Nacional de Estatística, e que este recusou: a que grupo étnico-racial pertencemos, cada um de nós.
Pergunta cuja recusa fez alguns actores políticos e comentadores da nossa praça arrancarem os cabelos e acusarem o INE, o Governo, a Oposição, e até talvez a Maria da Fonte, de quererem empurrar o assunto do racismo com a barriga.
Pessoalmente, agradeço que a tenham retirado, pois perante tal pergunta sou muito bem capaz de me dizer túlipa arraçada de pão-de-ló - porque, vejamos, não será pertinente começarmos por esclarecer muito bem o que é isso de "grupo étnico-racial"?
Grupo étnico percebo, compreendo, aceito, respondo. Embora não ao Gabinete dos Censos, mas já lá vamos. Etnia é cultura, vivência, povo. Agora, raça... tecnicamente pode ser sinónimo de família, de grupo com usos e costumes iguais entre si. Mas a confusão que vai, que nos vem de séculos, com este conceito, parece-me mais do que suficiente para desaconselhar o seu uso em questões desta natureza.
E, afinal, no Grupo de Trabalho e no grupo dos comentadores descabelados, defendem a existência de raças humanas?
Porque se com a pergunta querem respostas para aquilatar a dimensão do racismo em Portugal, penso que deveriam começar por esclarecer de que racismo falamos, do que se centra no grupo com hábitos distintos ou naquele que tem por alvo o indivíduo com fenótipo diferente - e que fenótipo. Porque não acredito que as loiras sejam burras, e assim morena aguardo interessadíssima o esclarecimento desta questão "etno-rácica" e de quais os fenótipos que entendem dignos de nota. Também não percebo como pretendem medir o racismo por aqui, mas primeiro esclareçam-me estas questões, por favor.
Note-se que defendo que se conheça com a maior exactidão possível os grupos étnicos que compõem a nossa sociedade, mas este aprofundar maciço por parte do Estado levanta-me várias dúvidas sobre a sua interpretação: será um açoriano do mesmo grupo étnico que um transmontano? E um cabo-verdiano de 50 anos que chegou a Portugal há 44 e que de Cabo Verde guarda as mornas e o embalo da grande Cesária, a que grupo étnico pertence? E um português filho neto e bisneto de ucranianos, qual a etnia se nem fado nem hopak?
Desculpar-me-ão a falta de clarividência, mas não percebo de que serve ao Estado usar os censos para conhecer os grupos étnicos e a sua dimensão. O Estado deve preocupar-se com estabelecer regras de cidadania iguais para todos, sem adaptações. Ou estaremos a querer legislar em função da etnia?
A etnia importa, e deve ser tida em conta quando se lida com as pessoas. Por exemplo, quando se metem famílias inteiras em bairros sociais criados para o efeito - se os apartamentos são destinados a grupos que fazem da cozinha o centro da casa, por que demónios insistem em construir cozinhas minúsculas e salas enormes? Este é apenas um exemplo, minúsculo, de como o desconhecimento, a irrelevância dada à etnia, cria muros cujo derrube sai caro.
E não é um inquérito de 10 em 10 anos que caracteriza as pessoas. Isso faz-se no terreno. Todos os dias. Com outras ferramentas.
imagem: Gulliver em Brobdingnag, de Jean Grandville. de domínio público. colhida na Wikipédia
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