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Há muita gente contra as anunciadas comemorações oficiais do 25 de Abril. Mas, desta gente, uma parte está contra quaisquer comemorações do 25 de Abril, outra parte está contra as comemorações do 25 de Abril nesta época de confinamento. Vamos por partes.
Acho estranho haver católicos que dizem não terem podido celebrar a Páscoa. Acho estranho porque aqueles a quem vejo tais lamentos têm acesso à Internet, portanto não celebraram porque não quiseram - até eu que sou ateia sei que houve celebrações transmitidas em directo. Houve celebrações transmitidas via rádio e televisão em canais do Estado. Tudo bem, não puderam comungar fisicamente - mas o Santo Padre falou em comunhão espiritual, portanto acatassem.
Por tudo isto, acho hilariante haver quem clame não dever haver comemorações do 25 de Abril porque não houve comemorações da Páscoa.
Eu sei que parte dos que o dizem são católicos que, mesmo que não estivéssemos em confinamento, não celebrariam o 25 de Abril. Talvez suponham que nas comemorações do 25 de Abril se beija os pés dos cravos e daí a preocupação? Alguém que os tranquilize, por favor.
Também sei que outra parte dos que o dizem nem sequer são católicos (ou são católicos não praticantes, seja lá isso o que for), mas não perdem uma oportunidade de tentar anular as comemorações do 25 de Abril e aproveitam o reboque do catolicismo. A estes, recomendo que empunhem bem os cravos de Cristo.
Aos outros, era bom que os recordassem de que os diáconos, os padres, os bispos, os cardeais e o Papa estão para a Igreja Católica como os autarcas, os deputados, os presidentes dos Supremos Tribunais, o Primeiro-Ministro e os presidentes da Assembleia da República e da República estão para o Estado democrático que somos. Usando a mesmíssima analogia da Páscoa e do 25 de Abril, se houve celebrações da Páscoa, porque houve!, então também deve haver celebrações do 25 de Abril. E nem o Papa nem os padres a celebraram sozinhos, portanto não basta o Presidente da República aparecer à janela e fazer um discurso. A analogia não é minha.
Agora outra parte, aquela onde me incluo. Aqueles que achamos um exagero estas comemorações em pleno período de confinamento.
Os deputados da Assembleia da República votaram democraticamente. O que, à semelhança de tantas outras vezes, não significa que tenham votado com sentido de Estado. Numa época de confinamento, decretado pelo mais alto representante da República que servem, manda o cargo que cumpram o que deliberam os poderes institucionais e manda o civismo que cumpram o deliberado.
No entanto, porque, e muito bem, a democracia não está suspensa, há que comemorar oficialmente os feriados da República. Porque não são feriados por terem saído numa rifa e sim por terem significado profundo na sociedade que hoje somos.
A menos que os que acham o confinamento uma ameaça aos direitos e liberdades do cidadão queiram agora dar o dito por não dito e alinhar na supressão das cerimónias oficiais que celebram as datas que concederam essas liberdades. É uma opinião. Mas vá, que continuem a virar o bico ao cravo - porque se acham que o fazem por uma qualquer questão de justiça popular, ou há moralidade ou comem todos, a mim parece-me ressabiamento e falta de noção sobre o que significam as cerimónias oficiais. É outra opinião.
E, claro, há os que entendem que o 25 de Abril não merece ser comemorado, embora não usem o argumento da Páscoa. Convenhamos, as portas que Abril abriu foram abertas também para eles. Oxalá nunca se entalem.
Sim, defendo a comemoração oficial do 25 de Abril na Assembleia da República.
Mas concordo: cento e trinta convidados são demasiados indivíduos - não pela dimensão do hemiciclo ou pela preocupação com a saúde dos presentes, mas pelo Exemplo. Assim mesmo, maiúsculo.
Portanto, comemore-se a data mas reduzam-se as presenças protocolares, os vários poderes democráticos representados apenas pelas suas mais altas figuras:
E, porque se celebra também quem promoveu os acontecimentos que marcaram a data: (*)
Se todos comparecerem, serão 25 cidadãos.
Contem-se ainda os operadores de câmara e som (e demais técnicos indispensáveis) da própria ARTV, em trabalho mas também em representação do Quarto Poder - ao qual distribuirão as imagens - e veremos que se consegue fazer a festa com menos de 40 pessoas. Quase todas homens, mas isso só evidenciará mais uma falha da nossa democracia. Que fique registada para futura análise, que tal análise é também Abril.
Com esta redução poderá haver, e haverá, egos ofendidos - que lambam as feridas no recato. Importa é que a Democracia não saia mais ferida ou achincalhada do que ferida e achincalhada já foi.
E eu? Ao contrário de muitos católicos que não celebraram a Páscoa, sei que celebrarei o 25 de Abril. Em casa, claro. E com um cravo, ainda que de papel.
Celeste Caeiro, a Celeste dos Cravos (imagem RTP)
Nota (*) : Para o 1.º de Maio (**) usemos a mesma regra, mas em vez do presidente da Associação 25 de Abril convidem-se os presidentes das centrais sindicais e um representante dos sindicatos independentes. Três indivíduos.
No 10 de Junho, mesmo que já não em confinamento, mantenha-se a fórmula mas convidem-se os presidentes da Academia Portuguesa da História e da Academia das Ciências de Lisboa. Dois indivíduos.
Nota (**): Concordo com os que são contra as manifestações de rua no 1.º de Maio de 2020. Mas os que agora pedem a sua suspensão que não venham depois chorar as Festas Populares. Só por causa daquela coisa das incoerências.
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