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Jornalismo, Pirataria, Cidadania

por Sarin, em 07.04.20

liberdade imprensa.jpg

Os cidadãos têm direito à informação.

O jornalismo tem de existir.

Os jornais precisam de financiamento.

Daqui resulta o óbvio: ou os cidadãos financiam directamente os jornais privados ou financiam-nos as empresas.

Claro que há o jornalismo financiado pelo Estado, embora lamentavelmente não seja difundido em papel. Defendo o jornalismo privado e o jornalismo financiado pelo Estado, mas blindado ao poder político - deste segundo tipo de jornalismo falei já noutros locais. E voltarei a falar. Agora quero centrar-me nos privados e numa carta aberta que por aí circula.

 

Pegar nas informações das agências noticiosas e colá-las nos jornais é coisa que qualquer indivíduo que saiba trabalhar com um rudimentar editor de texto consegue fazer.  Mas isto não é jornalismo, é corta-e-colaísmo. Fazer jornalismo requer recursos vários, e jornalismo de fundo, o de investigação, demora tempo e pode custar muito dinheiro. E até o corta-e-colaísmo tem de remunerar o cortador-e-colador.

Portanto, os jornais privados têm de conseguir vender o seu produto de forma a pagarem aos seus trabalhadores, a suportarem os seus custos - em suma, a financiarem a sua actividade. Quando não vendem, ou se vendem a interesses comerciais ou fecham a porta. Depender de interesses comerciais passa por vender publicidade - o que deve levantar alguns conflitos de interesses na hora de publicar eventuais notícias sobre o grande cliente; ou por ser adquirido por grupos financeiros - que têm interesses comerciais vários e que, ao contrário do grande cliente, têm poder para substituir uma redacção inteira, mesmo que todos finjamos que não.

A independência de um jornal passa, forçosamente, por esse jornal se bastar a si próprio - isto é, vender a sua notícia. E todos sabemos o que é preciso para vender uma notícia: sexo, lágrimas e sangue. Sim, bem sei que, dito assim, parece uma agressão sexual. Não é sexual, mas é também agressão, porque a tendência é procurar o sexo, as lágrimas e o sangue para fazer a notícia.

Poderá haver outras fórmulas de um jornal se financiar e manter independente, mas a única que consigo encontrar é uma forma de cooperativismo: eu e mais uns milhares pagamos-te uma anuidade, jornal, e ajudamos-te a manteres-te, e tu dás-nos notícias confiáveis e não sujeitas a outro interesse que não o informativo. 

 

Por tudo o que acima disse, estou solidária com os directores de jornais e revistas que, em carta aberta, se manifestam contra a pirataria das suas publicações - aquela coisa de receber e reencaminhar jornais em formato PDF.

Estou solidária e estarei porque...

... como eles, acredito que "é um atentado grave contra o trabalho dos jornalistas e contra a sustentabilidade das empresas de comunicação social".

... ao contrário deles, acredito que os actos de pirataria são um atentado contra qualquer empresa, contra qualquer cidadão e, em rigor, contra o Estado de Direito. 

 

Os directores vêm pedir-nos que combatamos tal pirataria fazendo-nos assinantes.

Mas não assumem o compromisso de não participarem em actos de pirataria: não nos dizem que deixarão de divulgar matéria em segredo de Justiça; não nos dizem que, antes de publicarem reclamações enviadas para esta ou aquela entidade, investigarão se estas foram mesmo enviadas, se chegaram ao destinatário e qual a sua reacção; não nos dizem que deixarão de publicar matéria sensível sem investigar a sua origem e que, publicando-a, a encaminharão também para as autoridades caso haja suspeitas de ilícito na sua obtenção ou no seu conteúdo; não nos dizem, enfim, que traçam uma linha ética entre "fonte" e "vale qualquer coisa para vender".

E, ainda assim, estou com eles. Porque acredito que a pirataria é abominável, mesmo que com carta de corso, e não o acredito apenas quando me dá jeito.

 

Mas sobram-me questões sobre esta matéria da pirataria dos jornais.

Quando compro um jornal em papel, ninguém me pergunta se apenas eu o lerei nem me coloca restrições a que o empreste, dê, deixe no banco de jardim ou na mesa da esplanada para que outros leiam.

Então, porque não poderei fazer semelhante com o jornal digital que pago? Sejamos francos, o jornal em papel não se fotocopia para emprestar, apenas passa de mão em mão. Já um documento digital é copiado dezenas ou centenas de vezes e em cada uma pode ser guardado o tempo que se quiser. Claro que percebo a troca de jornais em grupos fechados, uma espécie de mesa de café em que cada indivíduo chega com um jornal e os jornais circulam entre todos. Mas e quando os jornais saem da mesa, vão para onde?Já agora, esta pergunta vale para jornais e vale para outros documentos que estão sujeitos a direitos de autor.

Cada um de nós é responsável pelo que adquire e pelo que recebe. Se não costumamos emprestar livros ou jornais que não são nossos, porque reencaminharemos massivamente jornais e livros que não comprámos e para cuja disponibilização não contribuímos?

A facilidade em reencaminhar terá alguma responsabilidade, mas a verdadeira razão será, talvez, o não estarmos habituados a ver o trabalho intelectual e o produto digital como bens transaccionáveis, cuja produção envolve pessoas reais e de cuja venda essas pessoas reais dependem. É bom que mudemos esta nossa abordagem. Por todos os motivos, e também por causa desta coisa da pirataria.

 

E, entretanto, que estão a fazer os jornais para evitar serem pirateados, além de apelarem a que não reencaminhemos jornais assim recebidos?

Ao entregarem um código para acesso online, como fazem, parte do acesso fica restringido. Mas posso perfeitamente partilhar o meu código com o meu agregado familiar. Ou com 30 amigos, não é?

Para se protegerem, os jornais podem vender assinaturas com mais do que um acesso simultâneo - e bloquear as tentativas de acesso que excedam o contratadoualizado, emitindo alerta ao titular, podendo até bloquear a conta se tais tentativas forem frequentes (tudo isto devidamente definido e não sujeito a alterações arbitrárias durante a vigência do contrato - que pode diferir da anuidade). Ou podem promover assinaturas com limite de acessos, por exemplo. São opções que não têm de ser exclusivas e que talvez lhes permita chegar a mais clientes online. Mas que certamente evitam a partilha indiscriminada.

Já os jornais em formato PDF podem perfeitamente ser enviados com uma senha de segurança, previamente atribuída pelo próprio jornal e associada ao contrato, e o PDF ter um código identificativo da conta daquele exemplar. O assinante que partilhar indiscriminadamente o seu jornal sabe que correrá o risco de que os seus receptores partilhem com terceiros - o que pode fazer com que uma cópia vá parar às mãos de alguém que a reencaminhe para o jornal e este responsabilize cível e criminalmente o assinante. Mais uma vez, todas as opções, restrições e consequências devem estar devidamente explicitadas no contrato.

Não estou a inventar nada de novo. Todas as sugestões são viáveis, andam por aí e são usadas por empresas várias. E sei que, por cada sistema de segurança que surge, surgem duas chaves para o descodificar. Mas os jornais atrasaram-se na adaptação ao digital. E continuam a ter muito que mudar para se voltarem a aproximar dos leitores.

Acredito firmemente que não podemos ser coniventes com a desintegração do frágil tecido jornalístico. Mas sei que os jornais também terão de se esforçar e fazer a sua parte.

imagem: The Free Pirate

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lançado às 21:45

A toxicidade das máscaras

Ou: a CS e a DGS e o que é dito e o que fica por dizer

por Sarin, em 06.04.20

máscara.jpg

Numa paragem forçada nas imediações de um aparelho de televisão, vi e ouvi algumas notícias.

Reportagem:

1º Não sei que entidade portuguesa (não reparei nem me interessou ir verificar) alegou que o uso das máscaras deveria ser aconselhado para toda a população.

2.º Afirmou taxativamente que a DGS desaconselhava o uso das máscaras por haver poucas.

3.º Informou que havia vantagens do uso das máscaras.

4.º Aparece uma imagem de um plano de contingência onde, aparentemente, se prevê a distribuição de máscaras a alguém (não percebi a quem, mas não me pareceu ser à população em geral. Também não percebi de que plano de contingência se tratava)

4.º Jornalista diz, em voz off, que OMS também já* aconselha uso de máscaras, enquanto na televisão passam imagens de um vídeo da OMS a (pareceu-me) ensinar a colocar máscara (já saía da frente do aparelho)

5.º Jornalista diz, em voz off, que DGS cumpriu as orientações da OMS.

6.º Mudança de notícia.

* Não ouvi qualquer menção ao "desaconselha" anterior.

Fiquei fascinada porque tem havido muitos ataques à Directora-Geral da Saúde, e este pareceu-me mais um.  Continua a parecer - mais uma vez, parece-me que as palavras de Graça Freitas foram comidas, pois de "não há uma única medida completamente eficaz" passou-se para "usar máscaras não é eficaz".   

Mas depois, e saltando ataques, motivações, e razões, fiquei perplexa perante a peça jornalística. Uma peça  aparentemente bem coordenada, clara, ilustrada... e omitindo dados que considero essenciais: 

a) O que fez aquela entidade para refutar as opções da DGS junto da própria Direcção-Geral da Saúde antes de vir para os jornais?

b) Se houve tal tentativa, qual foi a reacção da DGS e quais as respostas e argumentos para reiterar na opção tomada anteriormente?

c) Se não houve... porquê vir logo para a CS?

Após respondidas estas perguntas, sim, podem os jornais alimentar todas as polémicas que desejarem e que talvez pequem por defeito. Mas, assim, é apenas ruído. E incerteza. E mau serviço à Saúde e ao Público.

 

Este caso não é único. Tem-se visto nos órgãos noticiosos cartas de médicos ou de organizações de médicos a denunciarem qualquer coisa às administrações de saúde, às administrações hospitalares, às autarquias... cartas de autarcas a denunciar qualquer coisa à DGS, às Autoridades Regionais de Saúde (ARS), ao Ministério da Administração Interna (recordo o caso de Rui Moreira a dizer não reconhecer a autoridade da DGS por causa de um cordão sanitário cuja indicação nunca saiu das autoridades de saúde para as autoridades de segurança)... e em nenhuma, e sublinho este em nenhuma, encontrei respondidas aquelas duas perguntinhas básicas:

a) O que fizeram para comunicar a mensagem à DGS?

b) Qual foi a resposta da DGS?

 

Questionar as autoridades é legítimo, confirmar ou refutar, idem. Mas há outros canais para o fazer sem serem os canais da Comunicação Social (CS), porque...

apesar de muitos tentarem subverter as regras e patrocinar linchamentos e motins, em paz como na guerra, 

... ainda vivemos num Estado de Direito minimamente organizado. A CS pode e deve noticiar estas discordâncias, mas não pode ser o arauto de contradições apenas porque são uma boa notícia. Não são, a CS é que as transforma em notícia antes mesmo de o serem porque a polémica vende!

Temos o direito de perceber - e a CS tem o dever de investigar e noticiar - onde é que a mensagem da DGS é truncada, e porquê.

Temos o direito de perceber - e a CS tem o dever de investigar e noticiar - se as vias de comunicação entre as várias entidades e a DGS estão abertas ou fechadas. E, neste último caso, por quem.

Será pedir muito?

 

Nota: agora ao jantar, o mesmo serviço noticioso voltou a abordar o assunto, mas com muito mais atenção às perguntas feitas - inquirido por aquela estação, o bastonário da Ordem dos Médicos disse algo como "do ponto de vista científico, a Dr.ª Graça Freitas sabe que o uso da máscara é a melhor opção, e isso é indiscutível; mas do ponto de vista de gestão, compreendo que seja difícil emitir uma recomendação para a população usar um equipamento que o mercado não tem capacidade de fornecer, o que pode, inclusivamente, levar a roturas de abastecimento em pontos onde são essenciais". Logo em seguida, o jornal avançou para as declarações da OMS e, imediatamente depois, para a reportagem sobre a subida do preço das máscaras desde o estado de emergência (na ordem dos 1400%). Não respondeu às tais perguntas, mas teve o cuidado de mostrar um outro lado da questão.

Talvez que, com um pouco mais de informação, alguns cidadãos analisem os vários factos antes de alinharem com a matilha no pedir da cabeça de alguém. Neste caso como noutros.

imagem recolhida n' O Resgate da História

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lançado às 22:33

E que tal uma sardinhada?

por Sarin, em 06.04.20

Não está época para grandes sardinhadas...

... porque não há sardinha fresca.

... porque a sardinha é como o bacalhau, pode ser confeccionada de muita maneira - mas a melhor é a assada e quem disser o contrário esqueceu-se da broa pingada.

... porque metade da população está confinada, vive em apartamentos e não tem varanda com grelhador. Ou tem varanda com grelhador mas não tem o gás ou o carvão necessário porque entretanto se acabou. Ou tem o gás ou o carvão necessário mas não pode assar porque está de chuva - e tem de ser viciado em sardinha para aguentar com o cheiro dentro de portas.

Enfim, este tempo não está para sardinha assada.

Talvez se possa tentar uma caldeirada...

 

Para ajudar a matar saudades, surge hoje um novo blogue:

 

sardinhasemlata

 

sardinhas em lata, sardinha sem lata... quem sabe? talvez sardinhas com lata fora da lata?

Que o blogue não é de culinária, não é, e desculpem se vos induzi em erro.

 

Um destes dias também andarei por lá ... mas hoje não a véspera desse dia.

Depois informo. Com a sardinhita, pois claro!

Bom apetite ;)

 

ir para o sardinhasemlata

 

Se  a sardinha cai na rede, descuidada

vai enchendo o galeão

ela é fresca, prateada

aos saltinhos pelo chão

vai de roda, vai de roda, cada um bate seu pé

(...)

(canção Vira da Nazaré, Letra e música populares)

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lançado às 08:00

Chover no molhado...

por Sarin, em 05.04.20

Esta coisa de toda a gente ter o direito de opinar é uma conquista da Democracia.

A Liberdade de Expressão é uma conquista da Democracia, e a sua difusão é uma conquista da Tecnologia.

Mas a Opinião que todos têm o direito de emitir, essa é uma derrota - uma das mais amargas derrotas das Democracias actuais.

 

Porque as políticas educativas têm falhado aos cidadãos, criando multidões de papagaios acríticos que sabem ler mas não interpretar, que sabem sentir mas não criar, que sabem navegar mas não aportar.

E a democratização da informação vai parindo, afinal, especialistas da literalidade, censores do argumento, heróis da falácia, deuses do julgamento.

E o raciocínio, senhores, porque vos dá tantas dores?

 

A interpretação de cada facto será feita à luz do conhecimento e da sensibilidade de cada um. Mas interrogo-me o que terá falhado na formação do cidadão para, perante uma chamada de atenção para a insuficiência do conhecimento em determinada linha de argumento, preferir debitar mais um pouco de ignorância em vez de tentar perceber a falha, assumi-la e optar por argumento mais sólido.

 

 

Enfim, achataram-me a curva da paciência com vírus que já estavam em mitigação e nem consegui perceber que raio andaria o vírus a mitigar!

 

Nota: a ilustração do postal foi-se por entre os pingos da chuva.

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lançado às 00:39

A pandemia não mata ninguém, pá!

por Sarin, em 02.04.20

Leio em vários órgãos que "a Pandemia já fez x vítimas mortais", "morreram y devido à pandemia" e outras frases semelhantes.

Percebo perfeitamente o que significa, também eu talvez o diga e, até, o escreva num comentário mais rápido - porque sai naturalmente a quem consciente do significado. Mas, devido à polémica da Mitigação, apercebo-me que esta associação de palavras poderá, esta sim, contribuir para confundir quem menos acostumado ao termo, levando a entender pandemia como sinónimo de calamidade. Não que uma pandemia não seja um acontecimento grave, mas pode não ser tão catastrófica como os receios que o termo suscita.

Uma pandemia é uma doença ou enfermidade que se espalhou pelo mundo num determinado espaço de tempo. Pode ser uma doença altamente debilitante, pode ser uma doença letal ou pode ser uma doença que, nem sendo letal nem sendo altamente debilitante, provoque constrangimentos nos serviços de saúde que, sobrecarregados, ficam sem capacidade de resposta a doenças mais graves. E, esta, é uma calamidade em grande escala - por causa da pandemia, não por ser a pandemia. Porque a pandemia não mata ninguém, o que pode matar é o agente infeccioso que está na sua origem. 

Este agente infeccioso pode ser um vírus, uma bactéria, um fungo ou outro agente que tenha a capacidade de se reproduzir ou de provocar a sua replicação (nesta pandemia, é o vírus SARS-CoV-2; numa emergência de saúde pública muito famosa foi um prião - que, à luz do conhecimento actual, mais não é do que um bocado de proteína defeituosa). Os agentes precisam de um hospedeiro para se reproduzirem/replicarem, e cada espécie (ou cada tipo, no caso de vírus e priões) de agente tem muitas espécies hospedeiras à escolha, entre peixes, insectos, répteis, mamíferos, aves... basta que consigam entrar no organismo de um indivíduo e multiplicar-se, e já está, eis a doença! Há alguns agentes que não são nada esquisitos e arranjam mais do que uma espécie hospedeira, e quem não se lembra das Encefalopatia Espongiforme dos Felinos (FSE) e dos Bovinos (BSE) - esta última a ter relação com a doença de Creutzfeldt-Jakob, a das Vacas Loucas? Pois é, de quando em vez, os hospedeiros somos nós, humanos - que, e até prova em contrário, seremos a única espécie do planeta capaz de identificar e registar estes fenómenos. E, depois, ainda há aqueles agentes que, tendo várias espécies hospedeiras, não fazem mal (ou ainda não percebemos o mal que fazem) a algumas (a que se dá o nome de vectores) porque querem é uma boleia para as outras - como o agente da malária, um ser dos mais elementares que existem (protozoários) mas que lá arranjou forma de passar de um mosquito para um humano porque não consegue passar de um humano para outro humano.

Quando ataca um indivíduo, o agente pode ser combatido e derrotado pelo sistema imunitário do indivíduo atacado, caso em que perde a guerra e não há infecção; mas, se o sistema imunitário não tiver armas adequadas ou suficientes para o combate, o agente ganha e instala-se, e ainda tentará saltar para outro indivíduo - todas as espécies são como que impelidas à reprodução, e os agentes infecciosos não são excepção. Até os priões, sobre os quais não se pode dizer que se reproduzem, têm a capacidade de se replicarem, ou seja, multiplicam-se e fazem estragos.

Para dificultar as coisas, o indivíduo infectado pode não manifestar doença - o agente anda a passear pelo seu organismo mas, por qualquer motivo (do agente ou do indivíduo) não o perturba e o indivíduo não apresenta quaisquer sintomas. Passa a ser um doente assintomático, que ficará, sem se aperceber, portador do agente infeccioso. Mas, porque o indivíduo está realmente infectado, não significa que não venha a desenvolver os sintomas mais tarde - o indivíduo torna-se uma bomba-relógio, a menos que haja medicação eficaz.

O primeiro indivíduo que desenvolver a doença ganha o nome de paciente zero, ou seja, é a partir deste autêntico campo minado que se tentam encontrar as cadeias de transmissão. Porque cada infectado acabará por infectar outros, mas numa fase inicial só se identifica a infecção nos que apresentam sintomas, naqueles em que o agente já está a ganhar o combate - principalmente quando a doença é nova. Quando, numa mesma pequena região, surgem vários indivíduos com a mesma doença em datas próximas, estamos perante um surto.

Tudo começa com um surto, e se não se conseguirem identificar, controlar e cortar as cadeias de transmissão, os casos aumentarão, a doença alastrará a outras regiões e transformar-se-á em epidemia. Não há um número exacto para dizer quando se passa de surto para epidemia, pois a forma de o agente se transmitir de indivíduo para indivíduo e a capacidade de permanecer viável (isto é, com capacidade infecciosa) fora do hospedeiro, determinam a sua capacidade de contágio - e tanto podemos ter um surto com muitos casos como com poucos. 

A pandemia é oficialmente declarada pela Organização Mundial de Saúde quando, num determinado espaço de tempo, os surtos e as epidemias ocorrem em diferentes pontos do mundo - significa que as cadeias de transmissão cruzaram fronteiras geográficas e saltaram continentes, como se os agentes infecciosos andassem na pesca por arrastão e levassem tudo a eito. Como se tem visto.

 

Surto, Epidemia e Pandemia são, nada mais, nada menos, do que classificações quanto à disseminação e à área  geográfica abrangida por uma doença, nada tendo a ver com a gravidade da doença nem com a mortalidade dela resultante. Há agentes com uma elevada capacidade infecciosa (o vírus do Ébola ou o HIV, por exemplo), mas cuja capacidade de contágio é baixa (ninguém fica infectado apenas por tocar um objecto tocado por um infectado por HIV, por exemplo) ou as cadeias de transmissão estão bem controladas, motivo pelo qual alguns nunca chegam a causar epidemias ou pandemias.

 

E, já agora, onde encaixam as endemias?

Normalmente, os agentes infecciosos que dão origem aos surtos, às epidemias e às pandemias surgem, deixam-se estar um bocado a fazer os seus estragos, e desaparecem - na maior parte das vezes porque o homem consegue descobrir os mecanismos para travar quer o contágio (a tal quebra das cadeias de transmissão) quer a infecção (as vacinas e, por favor, respeitem as vacinas!).

Mas há situações em que tal não se verifica, e os agentes fixam-se nas zonas onde as condições para a sua proliferação estão asseguradas. As doenças tornam-se endémicas, porque as cadeias de transmissão nunca são completamente cortadas. Por exemplo, a malária, cujo vírus só precisa de águas estagnadas e de um calorzinho para que os insectos-vectores proliferem - mesmo que as populações tenham saneamento adequado (a maioria não tem), fica sempre por controlar o factor Natureza. A única forma de erradicar tais endemias é pela imunização das populações.

A imunização não é simples, pois basta uma mutação (não quaquer uma) no agente para que a vacina perca eficácia. Geralmente, também não sai barata, que entre investigação, teste, produção e distribuição as farmacêuticas podem não fazer o mais difícil (quantas vezes a investigação não é desenvolvida em centros universitários públicos?), mas cobram por todo o trabalho. E, ao contrário do que alguns teorizaram (e, mais grave, testaram na população, veja-se o Reino Unido), não basta expor as populações aos agentes e fazer figas para que os organismos reajam - se assim fosse, as endemias já estariam erradicadas há muito!

Enfim, o postal já vai em testamento e ainda nem sei como o ilustrar, por isso fico-me por aqui. Até porque eu só queria esclarecer aquela coisa de a pandemia matar gente.

 

pandemic.jpg

imagem colhida no ICTQ

 

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lançado às 07:55

Gostaria de ver Francisco Sena Santos, Camilo Lourenço* e outros prescientes analistas encaixarem esta notícia nos seus discursos.

 

* "O vergonhoso papel das autoridades chinesas no descontrolo da epidemia", Vlog A Cor do Dinheiro, 23 de Março, excerto nas redes

 

º Prognósticos depois do jogo, escrito a 28 e publicado a 31 por aguardar uma autorização que não veio. Fosse eu presciente...

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lançado às 07:00

Postais trazido na volta 2020

por Sarin, em 01.04.20

das minhas navegações por aí.

 

postais.jpg

 

São postais de outros, guardados...

 

Que me fizeram pensar, rir, enternecer, e até vociferar - mas não com os autores.

Faltam muitos... mas nem sempre me lembro de favoritar  

 

A ideia deste postal surgiu em Junho de 2018, para funcionar como repositório. Entretanto e entre tantos, acabei por criar vários repositórios organizados inicialmente por ano de recolha - que em Agosto de 2019 foram reorganizados por semestre. E que rapidamente mudaram para trimestrais... a culpa é vossa. 

 

* Recolhidos no Segundo Semestre de 2020

* Recolhidos no Segundo Trimestre de 2020 parte II

* Recolhidos no Segundo Trimestre de 2020  parte I

* Recolhidos no Primeiro Trimestre de 2020

* Recolhidos em 2019

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lançado às 01:26

Onde ideias-desabafos podem nascer e morrer. Ou apenas ganhar bolor.


Obrigada por estar aqui.


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e uma viagem diferente



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