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[Tema #12: Aqueles pássaros não se calam]
Os rouxinóis da noite
O frio caiu aos rebolões pela alma da gente.
Começou por um gelo fino
na superfície de águas turvas.
Lama, lodo em cada cais,
e a neve a tapar-nos os olhos
e um calor de fogo-fátuo a queimar-nos,
um fogo preso de artifícios que,
distraindo-nos,
nos gelava.
Congelava.
Cristalizava.
Os dias ganharam sombras.
As gentes ganharam sombras,
espessas,
em cada esquina,
por cima de cada ombro.
E o desassombro do frio invadiu o país,
gelando-nos a raiz,
ceifando-nos o pão
que quiseram de outros, nosso não.
E foi na noite,
mais amena,
que outras sombras nasceram
claras
quentes
prenhes de poesia.
E escreveram
E cantaram.
Trinados de esperança
A resistência pipiada em cada senha
Em cada curva da letra que fugia ao azul
E nascia na noite
Sempre a noite…
Mais clara que o dia frio.
Dias chegaram em que o frio se foi
E as sombras claras da noite ganharam forma
E os rouxinóis saíram de palavra em punho
De guitarra em punho
E encheram as gentes com a alma
Que haviam esquecido ter:
Esperança!
Cantam ainda na memória.
Aqueles pássaros não se calam.
Não se calarão na minha história.
Nota de roda dentada: também os oponentes do AO90 não se calam
Cantilena (1969)
letra de Sebastião da Gama
música de Francisco Fanhais
Elas, bailarinas de sapateado, membros das Syncopated Ladies: Chloe Arnold, Maudie Pooh, Anissa Lee, Assata Grooves, Orialis Ashley
A música, rythm&blues, Rise Up de Andra Day
A coreografia, sapateado, de Chloe Arnold
A ocasião, Vídeo solidário sem fins comerciais de Becca Nelson, 2016 (Los Angeles, EUA)
Na mesma senda Time's Up, aproveitem e vejam, ou revejam, um filme já aqui partilhado
Para alguns, parece que a Democracia começou com o 25 de Novembro.
Mas sem o 25 de Abril não haveria 25 de Novembro. Não haveria coragem para pedir mais ou pedir menos, não haveria liberdade para o anunciar, não haveria liberdade para agir ou reagir. Honra lhes seja feita, Vasco Lourenço e Ramalho Eanes sabem que o 25 de Novembro não foi o que alguns querem que tenha sido.
Sabem que os que venceram o 25 de Novembro não teriam feito o 25 de Abril se não fossem instigados - e que tudo ficaria como estava.
Sabem que os que se alcandoraram no 25 de Novembro são os mesmos que aos membros das FP25 chamaram terroristas mas que aos do ELP deram a amnistia. E a vantagem do secretismo. E a garantia do imaculado currículo. E que, assim, deixaram mais de uma dezena de mortos sem justiça. Mas isso de Justiça só interessa para alguns.
Pela televisão verifico que em 24 de Abril não era muito diferente. Nem sequer aquela mania das amnistias e do fingir que nada se passou.
Fica-lhes bem, a feia cara sem máscara.
imagem: Marcelo Caetano em Conversas em Família, Arquivo RTP
[Tema #11: Um dia na tua família… do ponto de vista do teu animal de estimação]
Eles, os do meu lar
O Sol acorda-me sem sons. O orvalho desfaz-se já quando o humano mais velho abre a porta e visita as aves do quintal, aprumado mas agarrado a uma árvore sem raiz nem folhas, toc toc toc desde que os raios lhe espreitaram a janela. Há muito que o vejo acordar com o Sol, mas a árvore só este ano lhe nasceu na mão.
O gato negro, Jacó o chamam, espera que a porta se abra para entrar e descansar depois do namoro às sombras da Lua. O humano sorri-lhe, afagam-se e seguem cada um o seu caminho, assim cruzados ao amanhecer.
Ouço já os outros humanos. Ela hoje levantou-se mais cedo, abrindo sorrisos e portadas. Sinto-a na cozinha, perto do jardim das rosas – o meu preferido, dela também. Vem tomar o pequeno-almoço entre tachos, feliz e alvoroçada vai-me piando bom-dia. Ele sorri ainda mais, e percebo porquê quando avisto as gaiolas pretas que se aproximam. Trazem os seus pardalitos, uma sozinha de Norte outra em bando de Sul. A mais velha sai de uma gaiola só dela pipiando pela mais pequena da outra gaiola, os mirtilos luzindo-lhe quando a vêem. A pequenita atira-se ao seu colo como a amoras, a rama dos cabelos ondulando enquanto todos chilreiam como se manhã de Primavera.
Esvoaçam, saltitam, sacodem-se e debicam-se com amor. Gorjeando, adentram o ninho com os dois humanos dos jardins de baixo, entretanto também chegados. Os gatos desses jardins espreitam, o cão latindo por lá – só brincarão mais tarde, agora é hora destes humanos de quatro gerações celebrarem o estarem juntos.
Vejo-lhes o cocuruto enquanto à volta da tábua grande, sei que alegres horas ficarão debicando e pipiando. Quando o sol invadir o ninho pelas janelas mais largas, todos virão até mim e por aqui ficaremos preguiçando, animais de duas e quatro patas felizes pela tarde.
Agora comemos. Bagas e sementes não faltam, mas são as árvores frondosas que guardam os suculentos segredos que caço em pleno voo. Como ela, também eu preparo banquetes para os meus pardalitos.
Volto todas as Primaveras. E todas as Primaveras eles me saúdam como se eu da família. Este é o meu lar. Espero morrer ali no jardim das rosas, num qualquer fim de Verão sem força para rumar ao Sul. Penso que terão saudades, mas morrerei tranquila – na Primavera os meus filhos voltarão, deixo-lhes no bico o sabor e o caminho de casa.
Nota de rodapata: o AO90 não é animal mas é irracional. Não é aqui estimado.
Imagem: Jacó descansando no arquibanco
(com coleira. dada pela Sobrinha, será perdida em poucos dias. a Sobrinha desiste de o tentar enfeitar)
vídeo: A andorinha da Primavera (Madredeus, 1997)
A UNICEF tem no seu sítio oficial um conjunto de vídeos com as reivindicações de crianças de todo o mundo.
É interessante. Mas é mais: é importante.
Porque é importante ouvirmos o que têm a dizer as crianças quando se cumprem 30 anos sobre a Convenção que lhes consagrou os Direitos.
Se tiverem interesse, podem acompanhar aqui.
Tristemente, pouco ou nada tenho a acrescentar ao que disse no dia 1 de Junho. Por isso, reedito esse meu postal.
Oficialmente, o Dia Mundial da Criança é o 20 de Novembro.
Porque foi no dia 20 de Novembro de 1959 que na ONU se assinou a Declaração Universal dos Direitos da Criança. E foi no dia 20 de Novembro que em 1989 se assinou a Convenção dos Direitos da Criança.
Esta convenção é, apenas, o tratado internacional mais ratificado de sempre: 192 dos 193 países reconhecidos junto da ONU são aderentes. A excepção são os EUA.
Mas o dia 1 de Junho já anteriormente havia sido declarado Dia Internacional da Criança... em 1925, durante a Conferência Mundial para o Bem-Estar da Criança realizada em Genebra,
Por isso, em 51 países o Dia da Criança continua a ser celebrado a 1 de Junho.
Mas apenas 115 países dos mais de 200 países existentes no Mundo comemoram esta data - ou melhor, 114, pois no Japão não se comemora o Dia da Criança mas sim o Dia das Meninas (3 de Março) e o Dia dos Meninos (5 de Maio), uma evidência de quão profundamente a sociedade nipónica ainda é machista.
A Convenção dos Direitos da Criança não é um mero quadro de boas intenções: é um tratado internacional, um documento que deve ser vertido na legislação de cada um dos cento e noventa e dois países que a assinaram.
Assenta em quatro grandes pilares, transcritos exactamente como constam no sítio da UNICEF:
E, no entanto...
... são cerca de 15000 as crianças com menos de 5 anos que morrem diariamente.
... a cada 7 minutos morre um adolescente de forma violenta; em 2015 foram cerca de 82000.
... um quarto das crianças com menos de 5 anos não está registada. Sem registo não há certidão, sem certidão não há acesso aos cuidados de saúde ou à educação.
... em África, 38,6% das crianças em meio rural e 25,7% em meio urbano estão subnutridas.
... 61 milhões de crianças em idade escolar nunca andaram na escola nem frequentaram o ensino básico.
... há países onde nem todas as escolas têm água canalizada, instalações sanitárias ou promovem a higienização: são 58 os países onde nenhuma escola tem água canalizada, 49 os sem escolas com instalações sanitárias básicas e 70 aqueles onde as escolas não têm nem água nem sabão para lavagem das mãos.
... há cerca de 152 milhões de crianças a trabalhar no mundo. Aproximadamente 18,2 milhões na indústria do vestuário e calçado, e cerca de 1 milhão na extracção de minérios para a indústria electrónica, actividade que também facilita a prostituição infantil.
... cerca de 17 milhões de mulheres adultas oriundas de países com baixos rendimentos disseram terem tido sexo forçado na infância, e cerca de 2,5 milhões de jovens mulheres de 28 países da Europa afirmaram terem sofrido violência sexual antes dos 15 anos. Não há dados sobre a violência sexual contra homens, não quer dizer que não exista.
... porque há muito mais.
Que, dolorosamente, é também muito menos.
Menos atenção.
Menos cuidado.
Menos futuro.
E menos prendas, por favor:
Muitas das que hoje serão colocadas nas mãozitas das crianças felizes estão marcadas por mãozinhas de crianças sem riso.
relembro as crianças no daesh,
ou, numa realidade oposta e mais nossa,
e mais poderia relembrar
mas, porque não perco a esperança,
deixo a ligação ao Tia! Tia! Tia!
Peça, Deborah's Theme
Música, Ennio Morricone
Imagem, Once upon a time in America (1984), de cuja banda sonora original a peça faz parte
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