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cabeçalho sobre foto de Erika Zolli
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Não é erro de Português.
É erro de percepção. Má escolha, péssima escolha sintáctica!
Mas confio que os cientistas não se sintam melindrados: com vírgula é uma excelente notícia.
Imagem: "O Grito", de Edvard Munch (1893) (domínio público)
Onze juízes do Supremo Tribunal britânico avaliaram a legalidade do encerramento do Parlamento Britânico. Unanimemente, votaram pela ilegalidade.
Há quem veja neste recurso aos tribunais uma mistura de poderes. E há quem veja nesta decisão uma decisão política. Mas, como frisou a Presidente do Supremo, é ao Parlamento que compete escrutinar as acções do Executivo, e se a matéria se prende com interpretação da lei é aos magistrados que cabe a decisão. E decidiram que o que Boris Johnson tentou foi nada mais nada menos que um subterfúgio para calar os outros representantes eleitos directa e democraticamente pelos cidadãos.
O Parlamento reabre amanhã. Talvez seja o último dia de Boris Johnson como Primeiro Ministro, talvez seja o seu primeiro dia rumo a uma vitória decisiva... mas desconfio que amanhã, nos próximos dias, o Governo cairá.
O que não voltará a cair serão os franquistas no Vale dos Caídos, em romaria à sepultura de Franco.
Seis juízes do Supremo Tribunal espanhol decidiram unanimemente autorizar a trasladação dos restos mortais de Francisco Franco para uma sepultura no cemitério de El Pardo, contrariando a vontade dos franquistas em depositá-los na cripta de uma das mais visitadas igrejas de Madrid, a Catedral de La Almudena.
O corpo do ditador sai assim, e finalmente, da cripta da basílica que mandou erigir, em memória dos mortos que lhe permitiram o regime, usando o trabalho e a vida dos prisioneiros políticos. Justiça à sua memória.
imagem em Pinterest
Leio numa pausa que 600 telespectadores australianos apresentaram queixa contra um anúncio televisivo. O maior número de queixas registado este ano sobre um anúncio. Reclamavam os telespectadores que o anúncio era "de mau gosto", "humilhante para as mulheres" por serem obrigadas "a expor um assunto privado" ou ainda que "era desnecessário" e "obrigava os pais a explicarem aos filhos". Foi lá, talvez fosse cá também.
O anúncio? Pensos e tampões menstruais. O motivo da indignação e das queixas? A cor do líquido usado. Era vermelho.
O socialmente aceite é que se use líquido azul. Talvez porque a nós, mulheres, o sangue que nos corre nas veias e no útero seja azul, sinal de nobreza.
O que torna incompreensível que sejamos assassinadas com tanta ligeireza, vítimas mortais da violência doméstica. Essencialmente, violência doméstica deles contra as actuais ou ex companheiras cônjuges namoradas, mas também contra as filhas e contra as mães... 21 mulheres em Portugal, 42 mulheres em Espanha, 101 mulheres em França no ano de 2019. E ainda estamos no Equinócio de Outono, a Festa de Mabon, a Deusa Mãe dos Grãos...
Por falar em grãos, espreitem o Desafio dos Pássaros desta semana #2. O tema era O amor e um estalo. Abordaram-se muitos amores e muitos estalos. Nenhum azul.
Azul, apenas Sahar Khodayari. E a minha alma perante estes factos.
Sinto-me sem paciência.
Sem paciência para os atropelos perpetrados por activistas de papel, por opinadores de ouvido, por escrevedores da moral e dos bons costumes. E sem paciência para atropelos ao Português - às outras Línguas também, mas uma pessoa não pode preocupar-se com tudo, para isso temos os activistas de papel.
Tudo começou ao ver um noticiário da hora de almoço. Pouco liguei, a falta de paciência para tal já é antiga. Mas entre o olhar e o não ver atentei numa pequena reportagem sobre as manifestações de ontem pelo Clima. E vi os manifestantes de muito mundo, às manifestações chegados de perto e de longe, a empunharem cartazes e bandeiras e máscaras e balões e até balões gigantes a fingirem-se a Terra. Estremeci, saiu-me um "mas que incongruência!" e uma voz ao meu lado, compreensiva, respondeu "mas porque não hão-de usar os balões e os balões gigantes? Já existem, já estão feitos!" Claro que sim, já estão feitos. E se o que já está feito, recorrendo a processos produtivos de que discordo ou a materiais cuja utilização deploro, for por mim comprado só porque já está feito, irá esgotar e eu estarei a dizer que há mercado para mais - e o produtor vai continuar a produzir. A menos que os activistas de papel exijam a sua proibição e os legisladores acedam, claro, porque é sempre mais fácil alguém assumir responsabilidade pelas nossas escolhas. Mas isso não interessa nada, até porque eu nem sou presença em manifestações... E não sou porque sei o que reivindico, mas não sei o que reivindica o vizinho do lado - e se não forem claros, não contem comigo para fazer número, não tenho paciência. Ainda para mais um número em que tantos invocam o Ambiente e as alterações climáticas para multar, proibir, ameaçar sem que apresentem soluções práticas, exequíveis e consequentes. Paciência pouca, tolerância zero!
De novo a notícia, e noto que em Paris a manifestação correu mal. Previsivelmente. Ninguém que organiza estas manifestações pensa nos infiltras e nas consequências, ainda para mais quando em marcha tantas contestações violentas? Ou achará que os riscos valem a pena e que não há outra forma de manifestar a discordância e a exigência que não em grandes manifestações de rua cheias de cartazes e bandeiras e balões? Ghandi ia de mãos nuas. Acho difícil alguém carregado passar despercebido numa multidão de mãos nuas, mas lá está, eu não vou a manifestações de rua.
No mesmo noticiário percebi que amantes portugueses de blocos de construção de uma marca específica falavam dos displays presentes na exposição que decorre nas Caldas da Rainha. Display? Não poderiam usar cenário, imagem, figura, criação, até? Parece que não, display aparenta ser o termo adequado para portugueses falarem com portugueses aqui em Portugal. E no fim da exposição suponho que irão jantar umas bifanas ali num dos bistrot da zona... haja paciência.
Saí das notícias e passei os olhos no Sapo e nos blogues. Descobri que ontem foi dia de qualquer coisa, anteontem foi dia de outra coisa qualquer, provavelmente amanhã também o será. Procuro no Calendarr, e descubro que ontem foi Dia Internacional da Paz, Dia Mundial da Doença de Alzheimer, Dia Mundial da Gratidão, Dia de São Mateus, Dia do Software Livre, Dia Internacional da Limpeza Costeira, Dia Internacional do Mini-golfe, Dia da Guarda Nacional Republicana. Provavelmente até foi dia de mais coisas, mas o sítio indicava apenas estes oito motivos para celebrar. Pelos blogues descobri que, além daqueles que falam quando sentem vontade, há quem fale dessas coisas no dia para elas assinalado e há quem fale de quem não fala dessas coisas no tal dia... e pasmo. Desconheço a relevância de algumas destas efemérides, e acredito que algumas me continuarão irrelevantes mesmo após explicação. Mas as evocações serão sensibilização e, no limite, serão inócuas, portanto que cada um celebre como e o que lhe aprouver mesmo que apenas uma vez por ano ou apenas uma vez por vida. Simplesmente não percebo, e entendo até como atropelo da liberdade, que se questione ou julgue o cidadão que não evoca celebra comemora o Dia de qualquer-coisa. Como se quem se interessa tenha obrigação de se expressar quando manda o calendário. Como se quem não se manifesta sentisse menos a importância de alguns dos dias e motivos assinalados. Como se todos os que escrevem e celebram e evocam pensassem no assunto fora das agendas brilhantes e visíveis das redes sociais. Mas enfim, há quem não consiga passar sem atirar pedras pelo muro do vizinho e eu estou também sem paciência para lapidadores.
E estou sem paciência para romanceadores da história e dos factos, para pensadores de frases célebres, para músicos de dois acordes e um nanana, para escrevedores de frases feitas, para viaipis e fotochopes e sélfestimes... estou sem paciência para gente que se finge. Mas deixarei o assunto para o dia internacional do escaravelho. Agora estou sem paciência.
Mural de Philippe Hérard (Paris, França)
foto de Alain Andre em Street Art Utopia
Peça, Pearl's a singer
Intérprete, Elkie Brooks
Letra e Música, Jerry Leiber & John Sembello & Mike Stoller & Ralph Palladino (1977)
Peça, My ding-a-ling
Intérprete, Chuck Berry
Letra e Música, Dave Bartholomew (1952)
[Tema #2: O amor e um estalo]
O amor e um estalo
O filho a cair-lhe nos braços e o seu amor a estalar-lhe no peito, de tão imenso rasgando-lhe o coração e o mundo. Descobriu, mais do que decidiu, ser agora daquela coisa minúscula e engelhada que chorava e cheirava a sangue, ao seu sangue, que lhes corria no corpo e ainda o cobria.
Deu-lhe pela noite peito e atenção, dorme, filho, foi-se embora o papão.
Contou-lhe os passos prendendo-o em si, vem, filho, a mãe está aqui.
Afagou-lhe maldades e enganos da rua, a culpa sei, filho, não pode ser tua.
Limpou-lhe lágrimas mais leves por hora, não chores, filho, que um homem não chora.
Tirou-lhe as canseiras de homem-criança, deixa que eu faço, filho, descansa.
Embalou-lhe os azares que não sortes do amor, esquece, filho, tens direito a melhor.
Sofreu-lhe as derrotas num alento incansado, anda, filho, o mundo é malvado.
Ouviu-lhe a palavra gritada, ruim, tem calma, filho, não fales assim.
Percebeu-lhe a fúria agitando-lhe a mão, cuidado, filho, que caio ao chão.
O punho a cair-lhe no peito e o seu amor a estalar-lhe os braços, de tão imundo rasgando-lhe o coração imenso. Descobriu, mais do que sentiu, ser agora aquela coisa minúscula e engelhada que chorava e cheirava a sangue, ao seu sangue, que lhe escorria do corpo e já a cobria.
Nota de rodachão: À diversidade da Língua Portuguesa tenho amor e um estalo dou ao AO90.
Imagem: Uliana Lopatkina dançando “A morte do cisne”
(coreografia de Michel Fokine, música de Camille de Saint-Saëns)
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